Confesso que me surpreendi ao encontrar num relatório da Prefeitura de Piracicaba sobre “bens artísticos tombados em área pública” a inclusão de uma obra de arte da consagrada artista Leda Catunda: nada menos que um painel vistoso reproduzindo a cidade de forma panorâmica, rica de muitas cores, em mosaico assinado por ela e, fato raro, com atribuição da autoria de execução à empresa Vidrotil.

O painel é de 1988, ou seja, quatro anos após sua formatura na FAAP (Faculdade Armando Álvares Penteado), a legendária instituição que abrigou uma geração de grandes nomes artísticos que mudou e vem mudando radicalmente o perfil das artes plásticas brasileiras com propostas inovadoras, corajosas e originais.

Curiosamente, no começo de sua trajetória, a artista negava seus talentos, dizendo que gostaria de ser roqueira e também negava sua aptidão para o desenho. Seus mestres da FAAP, no entanto, perceberam depressa a força e expressão de seu espírito irrequieto, introduzindo-a no universo da arte conceitual. A partir daí, Leda viajou no espaço radical das artes visuais, ganhando destaque na exposição do Parque Lage de 1984, que indagava “Como vai você, geração 80”, da qual saiu consagrada perante a crítica especializada com obras reproduzidas e comentadas nas revistas e jornais do país. Pouco depois, ela reingressou à FAAP, mas já na condição de professora de artes, ali permanecendo até os anos 90.

Em seu percurso artístico, Leda recorreu à pintura a qual emprestou nova dignidade, empregando-a em diversos suportes não-convencionais. Nunca menosprezou as linguagens tradicionais. Estudou e produziu gravuras, por exemplo, mas procurou sempre inovar, trazendo para seu universo plástico elementos de textura e experimentos de  linguagens táteis. Sempre conectada com a vida acadêmica, fez doutorado em poéticas visuais na USP, em 2001, depois de se apresentar em três Bienais e participar de diversas mostras no exterior. Enfim, aquela estudante tímida dos primeiros tempos da FAAP, que pensava em ser roqueira e achava que não sabia desenhar, acabou descobrindo dentro de si uma força criativa que ela nem desconfiava.

Tornou-se uma referência no campo das artes conceituais, com tanta expressão e reconhecimento, que custa a acreditar que tenha abraçado em certo momento de sua trajetória essa arte milenar que é o mosaico, muito apreciado pelas pessoas simples, mas estigmatizado por muitos artistas de extração recente, que a relegam a um plano inferior, como “mero artesanato”.

Pois a obra mural de Leda Catunda vai muito além dos padrões convencionais na medida em que consegue plasmar numa superfície formada por pastilhas vítreas todo o complexo urbano de Piracicaba, com suas praças, seus edifícios, rios e tramas viárias, dignificando a arte numa composição cromática rica, diversificada e surpreendente. O painel é exibido com orgulho na Praça Cívica em frente à prefeitura da cidade e mantém-se íntegro em espaço elevado, ao nível da artista.

H Gougon, julho 2009