Belmiro de Almeida, um precursor da arte musiva brasileira

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Entre duas Modernidades: Uma andorinha faz o verão de Belmiro de Almeida

Painel musivo de Belmiro de Almeida
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Pode ser visto no Bairro da Lapa, no Rio

Obra Efeitos do Sol exibe pontilhismo de Belmiro
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Em Paris, o artista antenava-se com a vanguarda

Por iniciativa do Centro Cultural do Banco do Brasil, uma mostra de resgate dos valores estéticos oitocentistas começou a percorrer o país em 2004 com  o título “Entre duas modernidades: do Neoclassicismo ao Pós-impressionismo na Coleção do Museu Nacional de Belas Artes”.

 

Nela, figuram obras produzidas por artistas notáveis que vieram com a Missão francesa, trazida por D. João VI, como também peças assinadas pela maioria dos pintores do período ligados à Escola Nacional de Belas Artes, dentre os quais Vitor Meireles, Eliseu Visconti, Rodolfo Amoedo, os irmãos Bernadelli e Belmiro de Almeida.

 

O que se encontra na mostra é apenas uma fração do riquíssimo acervo do Museu. A peça mais polêmica e mais atual que se exibe é a apresentação assinada por seu diretor, Paulo Herekenhoff, que, sem muito rodeio, vai direto ao assunto:  “Não se pode prosseguir dissolvendo as texturas do nosso Século XIX”. E também: “O século XIX não pode ser reduzido, por preguiça intelectual, a um mero e vazio academicismo”.  Critica o preconceito corrente no período modernista e questiona seu sistema de hierarquias “que ainda nos aprisiona em relação à nossa história”.Também  aponta as contradições do período do chamado Modernismo, chamando atenção para o fato de que o urbanista e o arquiteto responsáveis pela maior aventura modernista brasileira - a construção de Brasília - foram moldados pela Escola Nacional de Belas Artes. Nela se formaram em 1924 o dr.Lúcio Costa e em 1937 o dr. Oscar Niemeyer.  Com autoridade, Herekenhoff conclui, taxativo: “No Brasil, o Modernismo já não detém o monopólio do olhar sobre a modernidade”.

 

Vencer preconceitos talvez seja a tarefa mais difícil dos artistas em todos  os tempos. Sobretudo aqueles mais arraigados na sociedade. Belmiro de Almeida que o diga. Nascido na cidade do Serro nos idos de 1858, fez uma carreira brilhante, dentro e fora da Academia. Talvez tenha sido o artista brasileiro que mais freqüentou os círculos parisienses de vanguarda em sua época. Dentre todos seus colegas que foram selecionados para a presente mostra no CCBB, foi ele, sem qualquer sombra de dúvida, quem mais antecipou tendências e quem mais soube reproduzir nos trópicos o que havia de arrojado na modernidade européia.

 

Sua obra Efeitos de Sol, escondida num fundo de sala da mostra do CCBB, durante sua passagem por Brasília, é datada de 1892, e é a que melhor traduz as noções de pontilhismo que se ensaiavam nas telas de Seurat. Belmiro sempre foi um vanguardista, mas não participou da farra de 1922. Achavam-no muito ligado à Escola Nacional de Belas Artes. Os modernistas foram buscar em Paris telas do pernambucano Vicente do Rego Monteiro e descartaram o mineiro que, um ano antes, já produzia o óleo Mulher em Círculo,  peça mais avançada esteticamente do que qualquer outra tela exibida nos dez anos seguintes.

 

Belmiro de Almeida faleceu em 1935, em Paris, depois de uma vida fecunda e sempre antenada com todas as tendências de sua época.  Além de pinturas, fez charges, caricaturas, ilustrações e  foi editor de revistas como Fon-fon , Diabo a quatro, Rataplan, João Minhoca e outras. Como escultor, produziu, entre muitas obras,  uma réplica do célebre Maneken Piss, de Bruxelas (obra de 1619), que acabou conhecida como  Manequinho depois de colocada no largo do Mourisco, no Rio de Janeiro, onde o clube Botafogo a adotou como mascote do time . Vândalos arrancaram a escultura do seu pedestal nos anos 80, mas a obra foi refeita algum tempo depois.

 

O que pouca, pouquíssima gente sabe, ou conhece, é a obra praticamente derradeira de Belmiro de Almeida: um painel em mosaico realizado para o Edifício Andorinha, inaugurado em 1934 na Avenida Graça Aranha, no centro da cidade do Rio de Janeiro.

 

O edifício pegou fogo em 1986, matando 21 pessoas e ferindo mais de 50. O painel, que ornava a portaria ficou  chamuscado. Foi coberto de gesso e levado para a Usina de Asfalto da cidade, onde ficou esquecido por quase duas décadas.  Há menos de dois anos, a Prefeitura carioca (leia-se César Maia) decidiu recuperar a obra, entregando a tarefa à empresa Concrejato que recorreu aos serviços do ateliê de três mosaicistas talentosíssimas do Rio de Janeiro. Durante quase um ano, Luciana Sabino, Tetê Martins e Helena Rocha estudaram o painel, e tiveram paciência para recolher tessela por tessela e remontá-las sobre uma plataforma de fibra de vidro. O painel apresentava fraturas e padecia da perda de 15 por cento de sua cobertura.

 

Como à época da sua execução ainda não havia fábricas de pastilhas no Rio de Janeiro – o que só iria ocorrer na década de 40, viabilizando uma infinidade de obras nos prédios residenciais e comerciais daí em diante – o recurso usado para cumprir o projeto foi a quebra de ladrilhos hidráulicos e  muitas peças de “pâte de verre”, provavelmente adquiridas pelo autor em suas múltiplas idas e vindas entre Paris e Rio.  Não há segurança se coube ao próprio Belmiro a execução do painel ou se sua responsabilidade esgotou-se no desenho de cartão. O fato é que a obra é assinada por ele e na justaposição das pastilhas é possível confrontar a assinatura com sua caligrafia nos estudos de outras obras de arte. Além disso, no curso da restauração, o grupo de mosaicistas travou contato com membros idosos da família dos construtores do Edifício Andorinha, que relataram a proximidade que o clã mantinha com Belmiro de Almeida nas primeiras décadas do século passado.

 

Realizado o restauro, o painel foi encaixado sobre um suporte rígido e levado pela prefeitura do Rio para ornar uma praça nova no bairro da Lapa, que atravessa um processo de revitalização conduzido pela municipalidade. Além de ser uma obra belíssima, engrandece a cidade e faz justiça a um dos artistas mais importantes do século XIX, mais moderno do que qualquer outro participante da semana de 22 e que, até pela iniciativa de fazer um mosaico, antecipou, em mais de vinte anos, uma prática que só iria encontrar seu auge na década de 50, quando a técnica musiva para painéis e murais foi buscada por nomes como Di Cavalcanti, Portinari, Clóvis Graciano, Carybé, Antônio Carelli, Athos Bulcão e dezenas de outros notáveis da época.

 

 

 

Mulher em Círculos é de 1921
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Um ano antes da semana de 22, Belmiro mostrava-se à frente dos "modernistas"

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