Ao abrir o jornal na manhã do dia 24 de julho de 2009, aqui no Rio de Janeiro, chamou minha
atenção a reportagem (O Globo) sobre um debate promovido por artistas e críticos cariocas revoltados com a proliferação
de esculturas nas áreas públicas da cidade. A reunião ocorreu numa sala do Parque Lage, próximo ao Jardim Botânico, que é
reputado como um centro de excelência das artes visuais brasileiras há algumas décadas.
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Num primeiro momento, achei o movimento despropositado, até porque não conseguia
identificar qual obra teria provocado contrariedade no seio da categoria dos artistas visuais, que é integrada por nomes de
sólida reputação e reconhecimento da crítica.
O próprio jornal que publica o relato identifica ao final do texto a atitude que
provocou a reação dos artistas cariocas: é que eles tomaram conhecimento de uma suposta intenção do artista Romero Britto
de edificar uma obra em homenagem à “Garota de Ipanema” em algum logradouro do bairro carioca em que ela residia.
Diante disso, os artistas reagiram e cobraram das autoridades presentes a formação de uma
comissão para julgar a pertinência ou não das obras visuais destinadas ao espaço público na cidade do Rio de Janeiro. Eles
não fixaram nenhuma norma ou padrão de qualidade para definir quem pode e quem não pode colocar obra em espaço público, mas
o veto a Romero ficou claro, segundo indicação do jornal.
Eu próprio devo confessar que sempre cultivei alguma reserva em relação ao espaço que Romero
Britto ganhou no Brasil depois de conseguir sua consagração nos Estados Unidos, onde é visto pela crítica como um “Picasso
brasileiro”. Vindo de um país como os EUA, cujo relacionamento com as artes
plásticas é mais ditado pelo valor pecuniário que por qualificações estéticas, a “consagração” carimbada pelos
norte-americanos sempre me repugnou.
Mas tenho lido com atenção tudo que diz respeito a Romero Britto aqui e no exterior, observo
atentamente a vastidão de sua produção artística e sou obrigado a reconhecer que algum talento o mantém em destaque.
A matriz crítica, vamos reconhecer, é a mesma que consagrou nomes como Andy Warhol, Roy Liechstenstein ou
Claus Oldenburg, todos ícones da “Pop art”. Em suma, não é o tipo de arte que me fascina, mas admito que lhe seja
dado espaço pelo tanto que sua obra atrai, especialmente entre os mais jovens.
Vou além ao observar que o tipo de trabalho efetuado por Romero Brito desperta muito interesse
entre alguns artistas do mosaico que vêem nele um padrão para fácil reprodução por sua representação gráfica de padrões muito
simples de serem transferidos para as tesselas.
Não é a toa que Romero foi convidado e aceitou fazer uma obra interessantíssima nos corredores
do novo Hospital-Instituto do Câncer de São Paulo, com 15 metros de comprimento, toda ela executada
pela Vidrotil, essa empresa genuinamente brasileira, fundada em 1947, que mantém padrões elevados de confecção das suas pastilhas
vítreas, as únicas capazes de sugerir uma feitura artesanal, ainda que decorrente de padrão industrial refinado.
Ao examinar detidamente o painel, a impressão que percebi é de que as cores proporcionadas
pela Vidrotil não poderiam ser mais adequadas para traduzir o projeto do artista pernambucano, que reside há anos em
Miami. Fico até pensando qual seria o projeto que o artista
teria em mente para modelar em área pública a Garota de Ipanema, que os seus colegas cariocas tanto temem.
Justamente numa cidade como o Rio, tão aberta aos estrangeiros, tão acolhedora e tão cosmopolita,
fica difícil aceitar essa reação insólita contra o pernambucano Romero Britto. Quem deve fazer julgamento nesse caso é o público.
E o público carioca é muito crítico. Não há o que temer. Que venha a obra de Romero Britto! Ainda não sei o que ele estaria
planejando, mas ficaria muito gratificado se fosse um novo painel em mosaico do porte deste que decora o Instituto do Câncer
e que agradou a todos os paulistas.
Romero Britto colore o Rio de Janeiro (Romero Brito no Rio)
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