Quando as portas do céu abrirem-se para
Juarez Paraíso
Não é fácil para o autor deste site, que vive tão distante do litoral, falar da obra de Juarez Paraíso na Bahia. Guardo há
muito tempo um compromisso pessoal para resgatar a importância de sua arte e situá-la
no contexto de outras obras na linguagem do mosaico artístico e sinto que a hora
chegou.
Antes de mais nada
é preciso dizer que se trata de uma vítima da imbecilidade e da intolerância religiosa, coisa que deveria estar recolhida
aos escombros da miséria intelectual da Idade Média, mas que ressurge aqui e ali, nascida do ventre do obscurantismo tardio
na vida brasileira .
Uma de suas obras
mais vistosas na linguagem do mosaico retratava o nascimento de Oxumarê, nas paredes do Cine Politeama em Salvador.
Acabaram abatidas pelas marretas da Igreja Renascer em Cristo, quando esta adquiriu as instalações da antiga
casa de projeção cinematográfica. Finda a obra macabra, picharam nos escombros “Deus é Fiel”.
Dá para imaginar
o tamanho da brutalidade se atentarmos para o caráter de tolerância que todos festejam na Bahia, considerada uma terra acolhedora
e aberta a todas as manfestações religiosas.
Novos casos ocorreram
quando a empresa CIC comprou o Cine Tupi e destruiu outro painel executado na empena do prédio. E ainda mais absurda foi a
destruição de uma obra mural que havia no Cine Bahia, logo que foi vendido para a Igreja Universal do Reino de Deus (?). Na
Justiça, em cujas portas foi bater o artista, os representantes da seita alegaram que Juarez não era um Leonardo da Vinci
e que as instalações do cinema não eram um Vaticano...
O que mais machucou o coração de Juarez Paraíso é que
os painéis eram desmontáveis. Bastava pedir que ele retiraria e levaria para outro espaço acolhedor.
Enfim, dá para perceber,
ainda que de longe, o drama religioso que em pleno século XXI assalta a população baiana devido ao obscurantismo de algumas
mentes insanas, interessadas em mergulhar o país numa luta religiosa e fraticida.
Lamentável em todos aspectos.
Em busca de informações
sobre a obra de Juarez Paraíso, deparei com um artigo muito substancial da jornalista
Clediana Ramos, no jornal A Tarde, da Bahia, em que ela reage a essa situação, afirmando : Salvador, às vezes, nem percebe,
mas respira a arte herdada da África. Afinal, a cidade foi o maior porto dos povos africanos escravizados no Brasil”.
E mais: “Foram
estes povos aqui chamados de angolas, congos, cabindas, jeje, ijexá, ashantis, nagôs e tantos outros nomes que deixaram reminiscências
de suas culturas. A memória delas foi mantida por seus descendentes. Gente como Juarez Paraíso, um dos mais conhecidos artistas
plásticos baianos que ao ser inquirido sobre as referências afro-brasileiras na sua obra, começa a resposta pela história
do seu pai Isaltino Paraíso que saiu de Arapiranga, parte do município de Rio das Contas, para estudar na Escola Normal da
capital da Bahia”.
Enfim, fica claro
que Juarez Bahia é um lutador, sempre em guerra contra a ignorância e a complacência daqueles que poderiam e deveriam reagir
a tudo isso. É ainda mais extraordinário que esse guerreiro seja um artista plástico da melhor extração.
Neste momento em
que a Igreja Católica pretende canonizar a Irmã Dulce, vale a pena trazer a este site a obra essencial de Juarez Paraíso,
que a retratou, em mosaico, rodeada por dezenas e dezenas de caveiras insepultas que representam seu envolvimento com a dor
e a morte ao longo de sua trajetória religiosa.
Não creio que
os católicos baianos sejam possuídos pela mesma fúria destrutiva que encarnou nos representantes das novas denominações “evangélicas”.
A obra de Juarez Bahia impõe-se por sua qualidade e pelo reconhecimento do povo baiano, que tem nele um símbolo do que a arte
baiana tem de melhor.
OUTRAS PEÇAS DE
JUAREZ PARAÍSO
Enfim, está muito claro que Juarez Paraíso é um artista superior a todas as vicissitudes e preconceitos. Sua obra é
imensa e tem o acolhimento majoritário dos baianos e reconhecimento artístico nacional e internacional. Como este site cuida
apenas de situar os trabalhos na linguagem do mosaico, vale a pena sublinhar que Paraíso está presente em outras obras trabalhadas
dentro desta vertente, como é o caso da peça que realizou para o Museu Geológico da Bahia.
Trata-se de uma peça em relevo cimentício, ao qual agregou uma infinidade de rochas e cristais que fazem alusão à própria
atuação do espaço, que é a de apresentar as riquezas geológicas do território baiano.
Além desta, Juarez Paraíso também é autor de um piso em mosaico de pedra portuguesa de resultado muito feliz, que se
encontra na área calçada junto ao Edifício Monsenhor Marques, no Largo da Vitória, em Salvador.
Vale a pena apreciar mais esses dois trabalhos, que usam matéria prima dura e resistente, o que é muito sugestivo quando
se leva em consideração a violência passada que o artista sofreu quando foi vítima da intolerância religiosa no coração da
cidade de São Salvador.
H.Gougon, jan. 2011
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