Com a expansão do Islamismo a partir do século VII d.C., os mosaicos
de expressão essencialmente romana ganharam novos contornos e características no mundo árabe. Por razões religiosas que interditavam
a reprodução de seres vivos, a motivação musiva ficou praticamente resumida aos arranjos geométricos, nos quais os árabes
tanto se distinguiram. Da pedra dura, passaram ao uso de peças cerâmicas, esmaltadas, multicoloridas e de formato capaz de
garantir sua reprodução até o infinito. Não deveria surpreender a ninguém que artistas islâmicos fossem os primeiros a realizar
obras de azulejaria, como decorrência primária da possibilidade de ampliar as dimensões das tesselas musivas e nelas realizar
desenhos.
PEÇA DOADA PELA EMBAIXADA DO MARROCOS |
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OBRA PRIMORDIAL NA LEGIÃO DA BOA VONTADE |
Há cerca de 15 anos, um mosaico árabe com características bem
típicas foi doado pela Embaixada do Reino do Marrocos à sede nacional da Legião da Boa Vontade (LBV), em Brasília. A LBV colocou-o
em local nobre e, a partir da iniciativa, passou a aceitar outras doações artísticas, acabando por formar variado acervo que
hoje ocupa um salão permanentemente aberto à visitação pública. Nele, há obras de todos os tipos, sobretudo pinturas de cavalete
e esculturas, mas o mosaico do Marrocos continua sendo a única peça em mosaico. É uma pena. Afinal, os mosaicos de desenhos
geométricos deram novo sentido ao mosaico no mundo mulçumano, revelando a forte inspiração de seus geômetras, que muito contribuíram
para o avanço da ciência matemática em todo o mundo.
Na esteira dessa vocação, o holandês Mauritius Cornelis Escher,
nascido em 1898, iria maravilhar o mundo das artes com a aplicação da geometria dos mosaicos mulçumanos em seus desenhos de
repetições matemáticas, hoje disseminados e apreciados em todas as escolas de artes plásticas.
Escher muito bebeu na cultura musiva recolhida no Palácio de Alhambra,
em Granada e na Mesquita de Córdoba, construídas pelos mouros, ambas na Espanha. Suas longas temporadas na Tunísia foram essenciais
para aprofundar conhecimentos sobre o geometrismo dos mosaicos árabes. O grande
artista, que faleceu em 1972, sempre ressaltou que se considerava mais próximo dos matemáticos do que de seus companheiros
de arte.
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OBRA ESTÁ NA PRAÇA EM FRENTE À SAIDA DO METRÔ |
Apesar de sua riqueza cromática bem ao gosto de nosso prazer tropical
e carnavalesco, essa corrente de expressão musiva, infelizmente, não prosperou no Brasil. Há pouquíssimas obras em mosaico
de padrão islâmico em área pública. Quando isso ocorre, quase sempre é por graça de alguma embaixada árabe que decide doar
algum quadro, painel ou mural a alguma praça ou qualquer outro logradouro em cidades com forte presença de descendentes do
Islã. Foi o que aconteceu em São Paulo, onde, novamente, a Embaixada do Reino do Marrocos presenteou a cidade com um formidável
monumento em mosaicos geométricos multicoloridos executados pelo sindicato dos artesãos da cidade de Fez. A obra empresta
colorido e encantamento a uma pracinha na Rua Vergueiro, exatamente em frente à Catedral Ortodoxa e bem próxima a uma das
saídas da Estação Paraíso do metrô paulista. O monumento está guardado por uma grade de ferro, que foi a única maneira encontrada
para evitar a ação dos pichadores. Trata-se de uma legítima obra de arte musiva do Marrocos, que dignifica o espaço público
paulistano. Pena que é pouco conhecida e não integra nenhum roteiro turístico ou de passeio pelos monumentos de São Paulo.
OBRA FOI DOADA PELO REINO DO MARROCOS |
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GRADE EVITA PICHAÇÕES |
As colônias árabes do Brasil, como se sabe, são muitas e variadas.
Para cá, migraram, a partir do final do século XIX, libaneses e sírios fugindo da dominação que lhes era imposta pelo Império
Otomano (turco). Daí a razão para muitos brasileiros, ainda hoje, chamarem os imigrantes árabes de “turcos”, menos
por ofensa e mais por ignorância histórica. No período republicano, a imigração prosseguiu e hoje representa uma parcela importante
em nosso país. São originários não só da Síria e do Líbano, mas também do Egito, da Palestina e de muitos outros países árabes.
A religião islâmica também cresceu, graças à total liberdade de
culto, uma marca do Brasil. A primeira mesquita edificada na América Latina foi a Mesquita Brasil, de São Paulo, construída
em 1929. Certa vez, tive acesso a uma foto que exibia seu interior, ornado por mosaicos de desenhos geométricos. Fui visitá-la
em busca desses trabalhos, mas descobri que os mosaicos eram apenas desenhos do papel de parede.
. Há quem calcule a presença de cerca de um milhão de muçulmanos
no país. As maiores comunidades se encontram nas cidades de São Paulo, Brasília, Rio, Curitiba, Porto Alegre e Foz do Iguaçu
(PR). Em todo o país, há cerca de 100 mesquitas, salas de oração, associações e confrarias mulçumanas. É bem possível que
algumas delas abriguem mosaicos verdadeiros. Entretanto esse tipo de expressão musiva ainda tem pouca presença e visibilidade
ainda menor. Recentemente, chegaram a entrar em moda, no mercado brasileiro, algumas pequenas peças decorativas provenientes
do Marrocos, especialmente tampos para mesas de chá. Um passo importante, mas ainda pequeno, para difundir a arte e para transmitir
aos brasileiros a densidade magistral bem como a forte impressão visual dos mosaicos geométricos dos países islâmicos.
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