O retorno
de São Paulo ao muralismo
Desde meados de 2003, o bairro de Higienópolis, na capital paulista,
abriga uma obra mural que mexe com o espírito dos paulistanos. Encontra-se na Avenida Angélica, tem 36 metros de altura e
foi construída com 1,5 milhão de pastilhas vítreas revestindo uma área de 600 metros quadrados, a maior do gênero em São Paulo.
Trata-se de uma obra premiada do artista plástico Cláudio Tozzi, que foi o escolhido
entre 506 concorrentes para realizar um projeto artístico na fachada lateral de onze andares do Edifício Comercial Exclusive.
O curador da premiação, Jacob Klintowitz, saudou a iniciativa,
organizada pela empresa Quota Empreendimentos Imobiliários, afirmando que a obra “marca o retorno de São Paulo ao muralismo,
uma tradição que foi um pouco esquecida”.
Entre os concorrentes, estavam nomes consagrados como Antonio
Peticov, Rubens Gerchman, Gregório Gruber e Ivald Granato. Klintowitz disse que
a escolha foi dificílima pela qualidade dos trabalhos inscritos. O próprio premiado, Cláudio Tozzi, entusiasmou-se com a realização
da obra e avisou: “Se a tendência for seguida, podemos transformar São Paulo em um grande museu planejado”. E
o curador completou: “Desejamos que mais empresas incentivem outros artistas”.
O prêmio consistiu em R$ 40 mil, pagos a Cláudio Tozzi e a execução
da obra chegou perto dos R$ 300 mil. Cinco empresas participaram da concorrência para a execução do mural e a vencedora foi
a Oficina de Mosaicos, fundada há 15 anos pelas arquitetas Sônia Lorenz e Isabel Ruas. Esta última, além de realizar mosaicos
é uma estudiosa do assunto. Sua tese de mestrado na USP versou sobre os painéis musivos na cidade de São Paulo entre 1945
e 1964, com destaque para as obras de Di Cavalcanti, Serafino Faro, Bramante Buffonni e Antônio Carelli. Atualmente, assumiu
o controle da Oficina dos Mosaicos e continua avançando magistralmente na paixão que abraçou: a realização musiva. Além de
muitas obras de sua exclusiva iniciativa, tem viabilizado outras de autores consagrados, sendo a última delas o painel que
Portinari concebeu nos anos 50 e que ela traduziu em realidade ao final de 2008 no coração da Universidade Católica do Rio
(PUC).
Para atender a tempo a encomenda relativa à execução do painel
de autoria de Cláudio Tozzi, Isabel e Sônia contaram com a parceria de outra firma, a Mosaico
Objeto de Arte, cujo proprietário, Sérgio Secches, também arquiteto, realçou a sintonia com a obra do artista: “Já
conhecíamos sua técnica e aproximação de sua pintura com o mosaico pela vibração e síntese de cores”.
O projeto de Cláudio Tozzi consiste em um módulo de estruturas
geométricas que emprega o azul como a cor dominante em diversas tonalidades e acaba por provocar diferentes leituras dependendo
do ângulo visto pelo observador. Para cobrir a gama de 20 variedades de tons azuis foi necessário recorrer a cinco diferentes
fornecedores de pastilhas vítreas.
Ninguém passa pela área indiferente à obra e Tozzi gostou do resultado. O artista defende há quase três décadas a integração da arte com a arquitetura,
já tendo criado painéis e totens musivos bem como outras obras em áreas de visibilidade pública da cidade, como na Praça da
República, na Barra Funda e, especialmente, na Estação da Sé, para onde concebeu a obra mural “Colcha de Retalhos”,
um grande mosaico executado com a colaboração do grande mosaicista Serafino Faro, que faleceu em 2003, aos 88 anos de
idade.
Arquiteto formado pela FAU e professor de arquitetura da mesma
instituição, Tozzi uniu a criatividade do artista ao construtivismo do ofício para perceber que o azul proporcionava o equilíbrio
ambiental e cromático entre os prédios vizinhos. “O azul é para se fundir com o céu, sendo que suas variações sugerem
a vibração da cidade”, ensinou.
O mosaico em toda a fachada
do prédio da Avenida Angélica é, sem dúvida o de maior visibilidade, tanto por sua dimensão quando pela situação de destaque
naquela via. Muito antes, no entanto, Cláudio Tozzi já empregava pastilhas vítreas em seus trabalhos no espaço urbano de São
Paulo. É de 1980, o painel que fez para o Sesc Vilanova, sobre parede em concreto.
E mais: em 2000
revestiu com pastilhas multicores um enorme cubo escultórico no Edifício Spazzio, em S. Paulo com 3metros e 40 cm de altura.
É preciso realçar ainda que toda essa opção de Tozzi por revestimentos
vítreos empresta uma luz diferenciada às suas obras de caráter público nas últimas três décadas. E incendeia de emoções suas
mensagens construtivistas, reinventando a geometria dos espaços arquitetônicos.
O artista não é mágico, mas suas peças proporcionam um clima de
alegria, surpresa, espanto e encantamento, que alteram o humor de quem se defronta com seu domínio das cores e com
a organização das pastilhas. Coisas de gênio.
O PAINEL DO FORUM RUY BARBOSA
A produção de painéis
em mosaico realizada por Cláudio Tozzi parece multiplicar-se na mesma velocidade em que a cidade cresce. Quando a gente pensa
que ele ainda está retocando um projeto, pode apostar que outro já está pronto. Foi o que ocorreu no momento em que os holofotes
focalizavam para sua obra na Avenida Angélica e ele, placidamente, organizava um novo projeto no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa,
empregando outra vez pastilhas vítreas, novamente em tonalidades de azul, para colorir uma área no pavimento inferior
de entrada para o auditório.
Como o foco deste site
é direcionado exclusivamente para a presença de mosaicos no Brasil, não é o caso de abordar aqui a grande variedade e a vastidão
da obra de Cláudio Tozzi em quase todos os demais domínios das artes visuais, sobretudo a pintura. Na verdade, sua pletora
criativa surpreende a cada minuto, entrando inclusive na casa da gente, como
ocorre neste momento em que escrevo (2009), quando a novela da Globo, que domina o horário das 8 da noite, presenteia o público
com um par de quadros do artista, colorindo o cenário por trás dos atores que
se desdobram entre o Brasil e a Índia.
Retornando ao mosaico,
para nos mantermos nos propósitos dessa pesquisa, não dá para ignorar aquela
que neste momento parece ser a última obra elaborada em pastilhas pelo grande artista. Trata-se do painel que produziu mais
recentemente para o Consulado da Itália em São Paulo, num reencontro formidável com a alma do povo italiano, com
suas próprias raízes de formação, inquietação e genialidade.
(H. Gougon, maio
de 2009)
|