Gustavo Nakler, o artista que recorreu ao mosaico para substituir o bronze
Gustavo Nakler nasceu no Uruguai, este belo país vizinho que não vê a hora de retomar sua vocação de prosperidade que
experimentou desde a primeira metade do século passado até a danosa chegada dos militares ao poder nos idos dos anos 60. Os
malefícios da experiência ditatorial, tal como em toda América Latina, foram brutais e tão
profundos que ainda hoje entravam a recuperação econômica desta nação acolhedora e fraterna.
Depois de estudar na Escola de Belas Artes de Montevidéu, Nakler veio para o Brasil, instalando-se em
Porto Alegre, onde seus primeiros trabalhos artísticos eram desenhos, histórias em quadrinhos e ainda peças
de publicidade. Mas seu destino era outro, muito maior e mais consagrador. Em 1983, deu um grande salto qualitativo em sua
trajetória ao optar pela produção de esculturas em bronze. Em
menos de dois anos, seu nome já constava de grande parte dos catálogos de Arte brasileiros.
Nakler foi adiante, fez pesquisas com materiais cerâmicos, resina, tinta automotiva e outras mais. Sempre movido pela
inquietação e pela criatividade, seu nome ganhou nova dimensão ao classificar-se para a XIX Bienal de S. Paulo, em 1987.
A característica desta nova fase veio a consolidar-se em projetos estranhos, nos quais o artista passou a compor sua
obra com partes do corpo humano e outras tantas de animais. Os críticos Renato Rosa e Décio Presser ao escreverem a respeito
de sua obra, assinalaram que o artista “zoomorfisa” parte do humano; cabeça ou membros.
Suas peças efetivamente parecem derivar de uma consciência mística que junta a realidade ao imponderável, a presença
à ausência, o homem ao animal, o instinto ao racional, enfim o artista vai aos poucos construindo e desconstruindo, enriquecendo
sua obra através de processos que parecem remontar à Idade Média.
Ao conhecer algumas dessas obras, fui remetido a seres inexistentes, aparentemente ancestrais e lembrei-me dos trabalhos
de Marcelo Grassmann, que também me provocam esse sentimento de perplexidade, essa ansiedade pelo entendimento mais profundo,
quem sabe um desejo louco de abrir as portas da percepção para conhecer e explorar todo o universo dos significados ocultos,
desvendados pelo artista.
É possível até que essa perplexidade diante da obra de Nakler tenha algum peso na ignorância pérfida que levou um bando
de marginais da pior qualidade a roubar (isso mesmo, a roubar) a peça em bronze que o artista compôs para um dos pontos nobres
da cidade de Porto Alegre, já pertinho das modernas instalações do Museu Iberê Camargo.
Uma violência imperdoável, lamentável e execrável, sob qualquer ponto de vista. Roubaram a obra de arte para derreter
o bronze em alguma birosca escondida nos subúrbios de Porto Alegre.
Diante da adversidade patética do roubo de sua peça, Gustavo Nakler não se intimidou. Refez sua escultura, dando-lhe
nova feição, mas não mais em bronze, que atiçou a cobiça macabra dos bandidos e sim através de uma estrutura de concreto armado,
revestida de... mosaicos. Isso mesmo: um gigante anel circular, raiado, coberto com quebras de azulejo, predominando os tons
amarelos. Uma beleza plástica sem tamanho, que honra o artista e o engrandece aos olhos de seus admiradores, entre os quais
me incluo.
O roubo infeliz de sua escultura em bronze acabou dando lugar a uma peça de mosaico tridimensional cuja excelência
fala por si. Os artistas do mosaico agradecem pela opção de Gustavo Nakler, lamentam o ocorrido, mas o novo resultado também
é genial porque, sendo formado por quebras cerâmicas, seguramente a nova peça não atrairá outras ações da bandidagem. E a
obra empresta novo colorido à cidade de Porto Alegre, embelezando o espaço público e tornando-se uma referência de intervenção
pública.
Hgougon, out. 2010
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