Muitas são as vertentes da produção de mosaico no Brasil, tanto de estilo como de material empregado ou do modo
de fazer. Até por isso, há muitos ângulos para apreciar a arte. Essa diversidade só engrandece e realça
o interesse pelo mosaico. A mesmice nunca cruza a avenida colossal por onde trafega a arte das tesselas. Ela é dinâmica, mutável,
instável, orgânica e incomensurável. Está na alma de todas as pessoas, ainda que isso não percebam. Basta que se faça uma
reflexão sobre o seu sentido semântico que é o da própria vida: a perpétua busca de pedaços para fazer um todo. Sob qualquer
perspectiva, seja espiritual, moral, intelectual ou mesmo material, mosaico é sempre edificante.
Dentre seus muitos modos de fazer, o mosaico ganha destaque quando se torna uma arte associativa, executada por um
grupo. No Brasil, há experiências múltiplas neste sentido. Algumas recebem notoriedade, especialmente quando a arte dá suporte
a atitudes de promoção social como é o caso da Paraíba, que se tornou cenário de uma experiência fecunda sob a condução da
artista Núbia Gonçalves. Na cidade de São Paulo, também houve atividade semelhante envolvendo ações práticas para melhorar
a auto-estima de crianças carentes através da produção de obras coletivas em
mosaico,
com forte presença no bairro da Vila Madalena. Também houve importantes ações coletivas na Bahia e no Mato Grosso do Sul,
envolvendo aulas ministradas a crianças.
A Ciranda da Capital da República
Brasília também possui um grupo de realização coletiva em mosaico, que em pouco tempo conquistou muita
visibilidade pública na cidade. Tenho a grande honra de fazer parte e de prestar
minha colaboração em muitas de suas intervenções na cidade. Chama-se Ciranda do Mosaico. Foi criado à imagem e semelhança
de um coletivo de mulheres bordadeiras, também de Brasília que faziam pedaços de bordados sobre um tema comum. Ao final da
confecção havia um sorteio e a pessoa sorteada recebia todas as peças, de forma a constituir uma colcha formada pelo conjunto
de todos os bordados. Como o grupo tinha 24 participantes, ao final de dois anos, todas as 24 bordadeiras eram aquinhoadas
com uma colcha coletiva.
No caso da Ciranda de Brasília, o princípio foi o mesmo: o grupo de mosaicistas se reúne e escolhe um tema. Digamos
que a escolha é “papagaio”. Bem, cada um faz um trabalho de igual dimensão retratando um papagaio e, ao final,
há um sorteio e o ganhador recebe todos os trabalhos com mosaicos de papagaio, permitindo que faça com as peças um belo painel
destinado à sua casa.
Este princípio de comunhão artística estendeu-se para intervenções urbanas e logo o grupo passou a fazer obras murais
na cidade, ganhando visibilidade e notoriedade pelo muito que já fez até agora em paredes de espaços coletivos, como biblioteca,
mercado, jardim botânico e escolas públicas.
Nas paredes laterais da Biblioteca Demonstrativa de Brasília (um estabelecimento vinculado à Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro), os membros da Ciranda já realizaram 7 painéis ilustrando em mosaicos os poemas
de poetas da Capital da República, como Nicolas Behr, Carlos Henrique Lima Santos, Ana Maria Lopes, Vera Americano, Angélica
Torres Lima, o Professor Cassiano Nunes e Chico Alvim.
Cada vez que um painel é instalado ocorre uma pequena festa com a presença do poeta homenageado. Aos poucos, as paredes
externas da Biblioteca vêm sendo ocupadas por essas obras, que resultam da iniciativa coletiva da Ciranda do Mosaico.
Painéis da Ciranda envolveram Burle Marx com flores do cerrado e Onoyama com frutas
As intervenções também alcançaram a Av. W-2 Sul, onde os mosaicistas da
Ciranda realizaram, na saída do Mercado Municipal dois painéis artísticos: um com reprodução de frutas do cerrado, envolvendo
o geneticista japonês Saburo Onoyama: e um segundo com mosaicos de flores do cerrado, envolvendo a figura do paisagista Roberto Burle Marx (ele também um mosaicista notório). Saburo tem seu nome associado
à criação de Brasília. Juscelino Kubitschek o convidou para conhecer a terra da cidade em 1958 e ele acabou se instalando
na área rural da cidade satélite de Taguatinga. Constituiu família e deixou uma prole numerosa, já na terceira geração, muito
conhecida no Distrito Federal por sua vinculação com a terra.
O início do grupo: um painel para JK
As intervenções da Ciranda do Mosaico em áreas públicas tiveram início
por volta de 2006, quando o grupo identificou uma espécie de totem em concreto na quadra 711 Sul, no coração do Plano Piloto,
que contava com uma enorme placa em bronze, relatando a visita que o presidente Juscelino Kubitschek fizera àquele espaço
em 1959, dando início à construção de casas populares. A placa em bronze foi roubada por vândalos noturnos, essa desgraça
que assola hoje as grandes cidades, mas o painel em mosaicos encontra-se no local, em bom estado, certamente por não ter o
mesmo valor pecuniário que aquele.
Além deste, um segundo painel ainda
mais saliente foi realizado um ano depois, homenageando, novamente, a figura do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que Brasília
cultua civicamente por ter sido o criador da cidade. A nova homenagem reproduziu mais uma vez os monumentos arquitetônicos
da Capital da República e introduziu a figura de JK sorrindo. Esta é, aliás, uma de suas características mais lembradas.
O painel foi colocado na parede de entrada da antiga escola brasiliense conhecida por Elefante Branco e que hoje
abriga o Centro Integrado de Línguas estrangeiras (CIL), da Secretaria de Educação de Brasília.
Antes de ser colocado em caráter definitivo no Colégio Elefante Branco,
o painel retratando Juscelino Kubitschek envolvido por todos os símbolos de Brasília foi exibido ao público por muitos dias
num Shopping Center da Capital da República, fazendo muito sucesso pela originalidade do trabalho.
Obra no Metrô e repercussão na mídia
Dentre todas, a intervenção pública de maior notoriedade do grupo da ciranda foi na Estação de Metrô na quadra 202
Sul, constituída por um grupo de painéis de 1 x 1 metro, em que cada artista do mosaico apresentou
sua maneira de ver Athos Bulcão, que foi o principal muralista de Brasília, falecido há poucos anos. O mosaico do Metrô trouxe
muito júbilo ao grupo, porque teve grande repercussão na mídia brasiliense. É uma obra de vulto e de grande visibilidade no
interior da Estação.
Obra mural no Jardim Botânico de Brasilia
Sempre inquieto e envolvido com mosaicos, o grupo também realizou durante 2010, um painel floral que foi executado
sob orientação da professora de mosaicos do Rio de Janeiro, Moema Branquinho. Ao final das aulas, a turma da Ciranda executou
a peça, que foi destinada ao Jardim Botânico de Brasília, ornando a parede externa da Casa de Chá ali existente.
A composição dos integrantes da Ciranda do Mosaico varia um pouco de ano para ano. Sempre
há mosaicistas ingressando e outros que se retiram temporariamente por eventual falta de tempo. Neste momento em que escrevo
(final de novembro de 2010) o grupo conta com os seguintes mosaicistas:
Alberto
de Castro Teixeira, Aline Ribeiro Galvão, Dulclerci Sternadt , João dos Santos
Esgalha, Margarete Medeiros, Shirley Neves, Abiaci Fradique, Odete Godoy, Cláudia Verônica, Maria de Fátima Rodovalho, Maria
de Fátima Fernandes, Rosângela Evangelista, Ruth Athaide, Clarissa Genari, Sonia
Teresa da Silva Santana do Couto Corrêa, Celeste Liporoni, Maria Célia Rosa, Domingos Oliveira, Lúcia Mafra e este que subscreve,
Gougon
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