Isabel Ruas: o resgate das cores de São Paulo
Há mais de uma década acompanho com atenção
e interesse a carreira da arquiteta, paisagista e mosaicista Isabel Ruas Pereira Coelho, por tudo que ela significa para a
Cultura Brasileira em geral e para o desenvolvimento de obras murais no Brasil, em particular.
Tendo como formação de base o estudo de obras
de arte romanas, cujo conhecimento aprofundou-se ao trabalhar na escavação e restauração dos sítios arqueológicos (do século
II dC) de Conímbriga, em Portugal, Isabel trouxe para o Brasil, sua pátria de adoção, um vasto acervo de experiência artística
e técnica para avaliar, intervir e recuperar obras de arte na linguagem do mosaico.
OBRA DE CLÁUDIO TOZZI, EXECUÇÃO ISABEL RUAS |
|
Como executora de peças murais, seu desempenho
pode ser avaliado pela obra gigantesca que empreendeu na Avenida Angélica, ao sagrar-se vencedora de uma concorrência para
execução de um painel em pastilhas concebido pelo artista Cláudio Tozzi, ocupando toda a empena de um prédio de 11 andares
(36 metros de altura).
Para atender às exigências cromáticas do artista,
Isabel recorreu a 18 diferentes tonalidades de azul, vindas de cinco diferentes fornecedoras, tendo aplicado no painel um
milhão e meio de pastilhas! Obviamente, uma verdadeira obra de fôlego.
OBRA DE PORTINARI, EXECUÇÃO DE ISABEL RUAS |
|
Também é de sua autoria a realização de um painel
em mosaico concebido por Cândido Portinari há mais de 50 anos, e executado há pouco tempo, no final de 2009. A
encomenda partiu do filho do artista, o professor João Cândido Portinari que se comoveu com o resultado.
Nesse trabalho, Isabel colocou todo seu empenho,
inclusive indo buscar na Itália as “bolachas” de esmaltes italianos capazes de dar à obra os tons pretendidos
pelo Mestre de Brodósqui. A obra mural encontra-se na fachada da Capela da Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio), emprestando um novo visual à igreja, que atrai muito mais gente desde que a peça passou a compor o espaço.
Isabel é também paisagista, tendo inclusive
assumido compromissos na direção e funcionamento dos órgãos de representatividade da categoria. Mas seu maior carinho profissional
é com a sua Oficina dos Mosaicos, na Vila Madalena, de onde não param de surgir peças de todos os tipos e tamanhos, que emprestam
à cidade de São Paulo um visual alegre e colorido, tendo por principais características o capricho e a qualidade das peças.
OBRA DE DI CAVALCANTI, ANALISADA POR ISABEL RUAS |
|
A par de uma produção artistica gigantesca,
a arquiteta dedicou sua dissertação de mestrado, concluída no ano 2000, ao estudo da realização de painéis em mosaico na cidade
de São Paulo no período de 1945 a 1964. A
pesquisa identifica uma enormidade de peças murais de autores qualificados.
PEÇA DE SERAFINO FARO, ESTUDADO POR ISABEL RUAS |
|
Dentre esses, Isabel selecionou quatro nomes
seminais que atuaram no período – Di Cavalcanti, Bramante Buffoni, Antônio Carelli e Serafino Faro – dissecando
em profundidade a qualidade e a técnica empregada por cada um deles nas obras que realizaram na cidade de S. Paulo. Em seguida,
abordou as motivações dos artistas que optaram pelo uso generoso do mosaico no período pós-guerra no Brasil, que coincide
com o desenvolvimento da arte do mosaico em nosso país.
Sob orientação do professor e arquiteto Paulo
Bruna, a artista fez de sua dissertação um verdadeiro manual de conhecimento e resgate de todo o universo muralista em S. Paulo
com recurso às técnicas do mosaico, pesquisando e analisando até mesmo a fundação e o crescimento das empresas pioneiras na
produção de pastilhas cerâmicas e vítreas, descrevendo a atuação da Argilex, da Jatobá, da Vidrotil e de muitas
outras.
TEATRO DE CULTURA ARTÍSTICA EM S. PAULO |
|
OBRA EM RESTAURO POR ISABEL RUAS |
Quando os órgãos do governo paulista tomaram
a iniciativa de reconstruir o Teatro de Cultura Artística de S. Paulo, destruído por um incêndio em 2009, a
escolha coube ao escritório do arquiteto Paulo Bruna, o que dá garantia de que está havendo uma recuperação de alto nível.
Essa excelência estende-se à reforma do painel em pastilhas, de autoria de Di Cavalcanti, pois Paulo Bruna convidou Isabel
para mais esse desafio, confiando nela para recuperar a valiosa peça. Afinal, a artista mosaicista possui preparo e reconhecida
competência técnica e profissional para o restauro de painéis em mosaico.
Fachada do Teatro de Cultura Artística |
|
Restauração do painel confiada a Isabel Ruas |
Enfim, Isabel Ruas Pereira Coelho é dessas personalidades
providenciais que surgem na história da arte para iluminar caminhos, abrir portas e revelar as múltiplas possibilidades de
um mundo melhor, de uma vida mais harmoniosa, mais colorida e espiritualmente mais rica.
Um resumo denso de sua dissertação de mestrado
pode ser encontrada na Web para consulta, o que é um gesto de grande generosidade da artista. Também encontra-se disponível
um pequeno vídeo gravado pelo Jornal da Tarde, no qual ela fala sobre os desafios do restauro do painel de Di Cavalcanti no
Teatro de Cultura Artística.
Se quiser assistir ao vídeo, vá direto
à página: http://blogs.estadao.com.br/jt-variedades/tag/restauracao/
A reportagem do Jornal da Tarde é assinada pelo jornalista
Gilberto Amendola e tem o seguinte teor:
No dia 17 de agosto de 2008,
o teatro Cultura Artística sofreu um incêndio de proporções assustadoras. Todo o seu interior foi consumido pelas chamas,
transformando em cinzas mais de 50 anos de história. Naquele cenário de destruição, porém, ocorreu um pequeno milagre. Na
verdade, nem tão pequeno assim. Para ser exato, um milagre de 384 m², com 8m de altura e 48m de largura,
chamado Alegoria da Artes, painel criado por Di Cavalcanti, em 1949. É claro que o painel, representando as musas da música,
do teatro e da dança, sofreu alterações com o incêndio. Sua estrutura, formada por mais de 1 milhão de pastilhas (compostas
por 30 tonalidades de cor), sofreu mudanças. O desenho original se desconfigurou com a queda de algumas peças. “Pelo
tamanho do incêndio. Até que o cenário não era tão dramático assim”, revela Isabel Ruas Pereira Coelho, arquiteta responsável
pelo restauro da bela tela de Di Cavalcanti. Isabel e uma equipe de 11 profissionais começaram o trabalho de restauro no
mês passado e devem levar um ano para entregar o painel completo. “A questão não é deixá-lo novinho em folha. É uma
obra artística que precisa mostrar, em sua composição, a passagem do tempo”, explica a restauradora. O trabalho no
painel deve ser concluído em julho de 2011 (já o teatro inteiro deve ser entregue somente no final de 2012). Para cumprir
o prazo, a equipe tem trabalhado de segunda à sexta-feira, cerca de oito horas por dia. Faça chuva ou faça sol. O restauro
completo consiste na limpeza e retirada de trechos (pastilhas) sobre fissuras e, é claro, em sua recolocação e proteção. O
custo de todo esse trabalho será de R$ 1, 5 milhão – captados por meio da Lei Rouanet. A reconstrução de todo o teatro
custará R$ 75 milhões. Cores originais Isabel explica que boa parte do que estava alterado no desenho original não foi
uma consequência do incêndio de 2008. “Não conseguimos identificar quando aconteceu, mas houve uma outra tentativa de
restauro deste painel. Uma tentativa que não foi muito bem conduzida”. Ela diz, por exemplo, que o desenho estava tão
alterado que havia partes estranhas, como a mão de uma das musas sem os dedos, um violão sem as cordas e vestidos com formações
descabidas. “Agora, estamos recuperando todo o desenho, corrigindo esses erros de intervenção e refazendo exatamente
como ele foi criado”. Os procedimentos mais difíceis, segundo Isabel, são os de limpeza dos resíduos que ficaram
entre as pastilhas e a aproximação com algumas cores originais, como o da pastilha preta. “Não é qualquer preto, tem
uma tonalidade diferente”. A produtora cultural Ana Maria Xavier está organizando visitas monitoradas para quem quiser
acompanhar, ao vivo, o processo de restauro. As visitas são para grupos de até 12 pessoas e podem ser realizadas apenas nos
dias úteis, em virtude do trabalho dos restauradores. Os interessados podem agendar visitas pelo telefone 5083-4360 ou pelo
e-mail do projeto: exposicaodicavalcanti at viadasartes.com…. Os tapumes da fachada do teatro também se transformaram num espaço expositivo, com fotos
e vídeos sobre a história do teatro. Além disso, uma tevê exibe, em tempo real, o trabalho de restauro. “Vai ser emocionante
devolver esse painel à cidade”, declara Ana Maria Xavier.
HGougon, out. 2010
|