Do chocolate de Vik Muniz e dos cereais de Siron Franco
Assim
como nem só de pão vive o homem, nem só de pastilhas, azulejos e pedras vivem os mosaicos.
Muito ao contrário, têm corpo e alma todas as formas de agregação de pedaços que resultam numa terceira peça, com novo
significado e novas leituras.
Alfredo
Mucci, nosso primeiro estudioso da matéria, no seu clássico “Compêndio Técnico-histórico da Arte Musiva”, chega
a relacionar a arte plumária das tribos indígenas como uma forma primária de fazer mosaico, apresentando fotos de cocares,
mantos e colares ricamente compostos com penas multicores de nossos silvícolas.
Numa época em que ninguém se dava conta do que era e do que não era ecologicamente
correto, nosso Imperador Dom Pedro II usava uma pelerine confeccionada com papos de tucanos.
O
inquieto Siron Franco, um dos artistas mais criativos e produtivos de nosso país, realizou em 1993 um quadro com a figura
do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, inteiramente desenhado com alimentos da dieta nacional: grãos de arroz, de feijão,
de milho, etc... O trabalho resultou na capa da revista Veja daquele ano (edição de 29 de dezembro) e se tornou uma obra de
grande força sugestiva para a campanha nacional contra a fome, que tinha no sociólogo o grande líder e inspirador do movimento.
Ultimamente,
com a universalização do computador, vem ganhando espaço a chamada arte digital, que já se subdivide em diversos campos de
aplicação, um dos quais o mosaico digitalizado. Um dos pioneiros nessa área, o norte-americano Robert Silvers, formado pelo
MIT, desenvolveu um software que denominou Photomosaic, com o qual combina milhares de pequenas fotos para formar uma terceira,
como num quadro impressionista. De perto, vê-se uma coisa e de longe outra. A revista Istoé
publicou matéria a respeito do artista na edição de 11 de novembro de 98, reproduzindo algumas de suas obras realizadas com
a ferramenta. Entre elas, destaca-se um mosaico do rosto da Estátua da Liberdade, todo montado com milhares de fotos de americanos
anônimos. De lá para cá, apesar de tão pouco tempo, o mosaico digitalizado vem crescendo e se difundindo cada vez mais.
Os
contornos pop do mosaico digitalizado são inevitáveis. Na Internet, é possível adquirir um pôster do jamaicano Bob Marley
realizado com essa técnica, construída mediante um sem número de fotos pequenas de tocos de cigarro.
Tanto
o mosaico digitalizado quanto a obra de grãos realizada por Siron Franco devem muito ao pioneirismo do pintor italiano Giuseppe
Arcimboldo (1527/1593) que entrou para a história da arte pelos retratos que realizou, usando desenhos de animais, de vegetais
e até de livros para compor as cabeças das pessoas. Assim como as fotos digitalizadas, seus quadros exigem uma inspeção minuciosa
das imagens que geram outras imagens.
O
procedimento de Arcimboldo também não é estranho a um dos mais férteis artistas brasileiros de nossa época, o paulista Vik
Muniz, nascido em 1961, mas desde 1983 residindo em Nova York, onde se tornou um dos principais nomes da arte contemporânea.
Depois de uma trajetória internacional vitoriosa sob todos aspectos, expôs pela primeira vez em sua terra natal no ano de
2002 no Museu de Arte Moderna, no Ibirapuera. Na Mostra - Ver para Crer - apresentou uma série de painéis fotográficos de
altíssima tecnologia reprodutiva, mostrando obras que se distinguem pela qualidade artística e que exigiram grande acuidade
artesanal pelo uso de composições com todo tipo de elementos, como terra, areia, arame, algodão, molho de tomate, açúcar, chocolate derretido, pimentas, etc...
Entre
as peças mais instigantes, encontra-se uma espécie insólita de mosaico, reproduzindo, em diversos tipos de pimenta, quatro
retratos iguais de Elizabeth Taylor, realizados a partir da célebre obra de Andy Warhol, que desenhou a artista em cores psicodélicas.
Vik Muniz executou cada peça com um tipo diferente de pimenta: Caiena, pimenta-do-reino, Curry e malagueta.
No
final de 2003, o Grupo Itaú elegeu uma de suas obras para reproduzi-la em um
painel na linguagem do mosaico. A obra escolhida é uma que Vik Muniz realizou em chocolate derretido, recorrendo a um conta-gotas
para desenhar na tela uma multidão atravessando uma rua em Nova York. Sua transferência para o espaço musivo se deu mediante
o uso de pastilhas vítreas da Vidrotil (uma empresa criada em São Paulo em 1948, que atinge hoje um nível elevado de produção
técnica e de refinamento cromático).
Com
cerca de 170 metros quadrados, o mural emprestou um novo significado à obra original do artista, reinterpretando-a de forma
inteligente, capaz de mexer com a percepção do público que passa diariamente pelo local. A travessia do espaço, que se fazia
antes de forma apressada e descuidada, transmite agora uma emoção nova. Favorece um ajuste de comportamento e dos sentidos,
dando lugar ao prazer estético e ao encantamento doce proporcionado pela obra.
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