Estevão da Conceição, porteiro, pedreiro, jardineiro e artista do mosaico
Antes que o pedreiro, porteiro e jardineiro
Estevão da Conceição se tornasse uma celebridade, fui conhecê-lo em sua casa-galeria na favela de Paraisópolis, próxima ao
luxuoso bairro do Morumbi, na cidade de S. Paulo. Foi na virada do milênio, ainda antes que artistas e jornalistas o descobrissem
e estabelecessem comparações entre seu trabalho e os mosaicos encontrados no Parque Guell e em outros projetos de Antoni Gaudí,
em Barcelona.
Efetivamente, a obra de Estevão é admirável,
perfilando mais um caso de compulsão musiva do qual resultam trabalhos constantes de grande efeito plástico que decoram toda
sua residência com cacos de azulejos, vidros, pedras e outros matérias duras. Homem simples, mas acolhedor e muito despojado,
vai ampliando indefinidamente sua casa, com agregação de peças, sempre esbanjando um gosto gracioso e intrigante.
Já tem até uma clientela sofisticada
que, não raro, encomenda peças variadas. Entre seus clientes, encontra-se o deputado José Genoíno que se deixou fotografar
a seu lado. E cuja foto Estevão exibe com orgulho.
O artista nasceu em
Santo Estevão, no sertão baiano, e logo que chegou a São Paulo o primeiro emprego que encontrou , assim como
a maioria de seus conterrâneos que procuram serviço na Paulicéia, foi como pedreiro. Data daí sua primeira experiência com
a agregação de cacos de azulejo fazendo uso de argamassa. Já no período em que se tornou jardineiro, começou a construir novos
espaços em sua casa, mediante aberturas para o telhado, onde projetou uma espécie de jardim suspenso. Enfim, trata-se de uma
pessoa extraordinária, que transcende em muito os ofícios modestos que garantem o sustento de sua família.
Até agora, a importância de Estevão no
panorama das artes visuais está limitado ao selo de reconhecimento da imprensa que, vez por outra, o procura para focalizar
sua obra e estabelecer uma relação excêntrica com a arte de Gaudí, sem maior fundamentação.
Enfim,
a arte de Estevão da Conceição é importante e merece ser mais bem examinada sob lentes de reconhecida competência crítica,
até mesmo para fixar sua dimensão estética no panorama das artes plásticas nacionais.
O que carece no caso do porteiro/jardineiro
de Paraisópolis é a presença de um crítico de artes (cada dia mais escasso),
ou de algum curador (cada dia mais numerosos) para dar ao seu trabalho um referencial estético capaz de fixar uma identidade
própria e dimensionar corretamente o seu espaço no mapa das artes plásticas nacionais.
É importante neste caso, recordar o gesto
de interesse e envolvimento da parte da professora Amélia Zaluar, do Rio de Janeiro, que, ao defrontar-se com a importância
da obra do salineiro pobre Joaquim Gabriel dos Santos, acabou realizando um resgate fabuloso que provocou a preservação da
chamada Casa da Flor , em São Pedro da Aldeia, que o pobre salineiro passou a vida cobrindo com
cacos, lâmpadas usadas, conchas e outras quinquilharias recolhidas nas ruas, ao longo de toda a vida. Hoje, a Casa da Flor
é um espaço-museu, visitado diariamente por centenas de curiosos, turistas e sobretudo colegiais, que se emocionam com a beleza
singela das obras dentro e fora da casa.
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