MOSAICO E MATURIDADE NA OBRA DE IANELLI
A morte de Arcângelo Ianelli no dia 26 de maio último (de 2009) abalou profundamente o
mundo das artes visuais brasileiras. O conjunto de suas telas tornou-se uma referência para o entendimento das cores, do seu
uso e da percepção infinita das possibilidades cromáticas, abstratas e geométricas.
Nasceu em S.Paulo nos idos de 1922, filho de imigrantes italianos chegados ao Brasil no
início do século XX. Aos 18 anos, matriculou-se na Escola Paulista de Belas Artes. O estabelecimento deu suporte técnico a
suas inclinações, mas nunca moldou ou controlou a força interior de suas inquietações.
Ianelli passou por muitos ateliês, coletivos,
grupos e organizações artísticas, até firmar uma trajetória única e pessoal. Pela singularidade de seu desprendimento, assim
como por suas pesquisas e ainda por sua busca individual, pode-se dizer que o artista sempre perseguiu e encontrou um caminho
próprio, autodidaticamente. Afirmou seu nome, primeiramente, através do figurativismo e, a partir dos anos 60, sua arte ganhou
novos rumos quando abraçou de início o abstracionismo e, em seguida, o geometrismo das linhas e das formas, tornando-se um
mestre com reconhecimento internacional, pelo muito que exibiu em museus, galerias e instituições artísticas dentro e fora
do Brasil, sempre com brilho e reconhecimento.
Há menos de dois anos, Ianelli decidiu, pela primeira vez em sua vida, transformar um
projeto de pintura em obra para mosaico. Adaptou uma tela para se tornar um painel em pastilhas, que foi produzido com muita
competência e zelo pela empresa Vidrotil, de São Paulo, conseguindo traduzir nas tesselas vítreas com tonalidades variadas
de branco, cinza e azul, aquele clima de mistério que até então só era possível através de múltiplas pinceladas no linho das
telas.
O painel, com certeza, garante certa perenidade maior do que as telas e é sobre isso que
se poderia tecer algumas considerações sobre o que leva muitos artistas, geralmente em idade provecta, a optar pela transformação
de suas telas em painéis de pastilhas, vale dizer, em mosaico.
A última obra de Manabu Mabe (que, aliás, foi companheiro de Ianelli no chamado grupo
Guanabara, de São Paulo, nos anos 50) foi justamente um projeto para mosaico destinado a uma capela no interior de uma fortificação
em Guarujá, no litoral paulista. O painel foi executado pelo Ateliê Sarasá, de São Bernardo do Campo, mas Mabe não chegou
a vê-lo. Faleceu pouco antes da execução do painel. Com certeza, iria admirar a transformação da tela em painel musivo, que
decorreu de trabalho primoroso, como costumam ser as obras confiadas ao Ateliê Sarasá.
Também o artista gaúcho Glauco Rodrigues, falecido em 2004, teve no mosaico o material
escolhido para suas duas últimas obras artísticas, a saber: o painel na entrada da Fundação Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro,
e o painel na estação de embarque do Aeroporto Luís Eduardo Magalhães, em Salvador (Ba). Ambas foram realizadas pela empresa
italiana Bisazza, produtora de pastilhas vítreas, que vem se firmando no mercado brasileiro. Não sei com exatidão as condições
de Glauco quando concebeu essas duas últimas obras. Sei que, ao falecer, contava 75 anos de idade e padecia de um câncer.
É possível que a escolha do mosaico tenha
sido a solução que permitiu ao artista superar as dificuldades físicas para continuar a exercer sua criatividade, confiando
a execução a terceiros, como é da natureza do trabalho em pastilhas. Obviamente que a produção
desses painéis foi obra de envergadura, trabalhosa e desgastante que obrigaria o artista a um
padecimento muito maior se a encarasse sozinho.
Outros casos se sucedem, sugerindo que muitos artistas optam pelo mosaico em idade avançada.
Em algumas ocasiões, isso se dá por decorrência de alguma doença ou restrição médica quanto ao uso de tintas tóxicas, como
ocorreu, por exemplo, com Portinari que passou a usar lápis cera para desenhar maquetes destinadas à execução de mosaicos,
tentando contornar a proibição médica. Acabou falecendo em 1962, ainda jovem (estava com 58 anos), deixando muitas telas para
a posteridade e também projetos para mosaicos, alguns dos quais ainda não executados até hoje. Entretanto, um desses projetos
foi finalizado em dezembro de 2008, na parede da capela da PUC (Pontífice Universidade Católica) do Rio de Janeiro.
Também é plausível supor que a opção pelo mosaico seja decorrente de um sentimento de
perenidade sugerido pela obra em pastilhas. É preciso observar, neste caso, que até muito recentemente, todos os escritos
teóricos sobre a arte do mosaico concordavam em defini-la como “arte para a eternidade”, um conceito estabelecido
por Ghirlandaio, artista florentino do século XV. Essa definição manteve-se por cinco séculos, mas caiu por terra no alvorecer
do século XX. Ou seja, depois que Einstein formulou a teoria da relatividade.
Mais recentemente, os estudiosos contemporâneos do mosaico, especialmente os europeus
e norte-americanos, convieram que um conceito mais adequado para a arte do mosaico seria considerá-la como uma “arte
complementar da arquitetura”, ou seja, uma versão menos pretensiosa e mais próxima de seu horizonte de realização atual.
A idéia da perenidade que estaria na razão da preferência pelo mosaico por parte de artistas
mais idosos também relativizou-se. Sua interpretação mais plausível está
ligada nos dias de hoje a uma noção de altruísmo, decorrente da idéia de que um painel em pastilhas tem mais chance de ser
visto e admirado por mais pessoas, até porque uma obra dessa envergadura destina-se preferencialmente a áreas públicas, ao
contrário do que acontece com a maioria dos óleos, aquarelas e gravuras, que acabam, quase sempre, nas paredes internas das
mansões de milionários solitários.
H.
Gougon, 07 de junho, 2009
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