Painel de Estrigas no Ceará: caminho da Grande Ibéria
Um
livro foi lançado há menos de uma década pelo professor e ensaísta Vamireh Chacon, da Universidade de Brasília, examinando
as raízes da formação brasileira e de sua matriz portuguesa e hispânica no contexto ibérico. De ponta à ponta do livro há
informações que indicam sucessivos episódios em que as Casas Reais da Península Ibérica buscam juntar os dois Reinos através
de consórcios conjugais ou por outros caminhos como protocolos de integração, de amizade ou ainda por dispensa alfandegária
e outras atitudes amistosas que levam a integração progressiva, não apenas a
nível de Estado como também através da Igreja, enlaçando a histórica vocação católica dos dois paises.
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Neste
contexto, o que resulta do ensaio é a idéia, sempre contemporânea, da criação de uma Grande Ibéria, qual seja uma comunidade
que poderia florescer em torno de um eixo Espanha-Brasil, emprestando um sentido político e econômico à união de todos os
povos com idioma e costumes de origem comum.
Trata-se
de uma proposta polêmica, mas de grande alcance e descortino para o debate em torno da globalização e das associações internacionais
que vêm moldando o mundo contemporâneo, como a comunidade européia, a Alca, o Mercosul e tantas outras.
É
no corpo desse conjunto de idéias que ganha mais destaque e significado o painel em pastilhas vítreas realizado pelo artista Estrigas, jque o inaugurou em outubro de 2004, aos 85 anos de idade, na cidade de
Fortaleza. A obra é uma visão própria sobre a chegada do navegador espanhol Vicente Yanez Pinzón à ponta do Mucuripe, no Ceará.
À noite a obra de Estrigas fica ainda mais linda |
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Pouco estudado no Brasil, Pinzón nasceu em 1461 na cidade de Palos, na
costa mediterrânea. Coube a ele e a seu irmão Martin Alonzo Pinzón viabilizar os planos de Cristóvão Colombo conforme foram
expostos aos Reis de Castela. Em 1492, a esquadra formada pelas três caravelas tinha no comando geral o navegante genovês,
embarcado na Santa Maria, a maior delas. Martin Alonzo comandou a Pinta e Vicente Yanez Pinzon a Nina.
obra fotografada durante a execução do painel |
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A execução coube à empresa Vidrotil, de São Paulo |
Depois
da Descoberta da América, Pinzón cruzou o Atlântico mais de uma vez. Em 19 de novembro de 1499, ele partiu novamente de Palos
no comando de uma esquadra composta por quatro caravelas – Pinta, Nina, Vicente Yanez e Frarley
– e a 26 de janeiro – três meses antes do comandante português Pedro Álvares Cabral – aportou em terras
do Brasil, desembarcando na Ponta do Mucuripe, local a que deu o nome de Santa Maria de la Consolación. Dali seguiu para o norte, onde, a cerca
de 100 km da sua primeira parada, enfrentou os arredios
índios tremembés, no lugar por ele identificado de rio Fermoso, local que corresponde à foz do rio Curu.
Ainda navegando ao sabor das correntes e dos ventos, fez sua primeira aguada em Rostro Hermoso, reconhecida hoje como a praia de Jericoacoara, ainda no Ceará.
Navegando na direção Norte, chegou à foz do Amazonas. Impressionado com o achado, denominou-o Santa Maria del Mar Dulce. E seguiu margeando a costa, passando pela foz do rio Orenoco até alcançar o Caribe, onde
perdeu duas caravelas.
Este
é o roteiro devidamente mapeado e documentado sobre a primeira passagem do navegador espanhol pelo Brasil, conforme a obra
“Vicente Pinzon e a Descoberta do Brasil”, publicada pelo brilhante historiador e jornalista Rodolfo Espínola,
que derruba todos os mitos e preconceitos sobre o assunto.
Seu
estudo projetou novas luzes no nebuloso episódio da chegada dos espanhóis ao Brasil e abriu uma clareira no orgulho do povo
cearense, com conseqüências na formação de um clima de entusiasmo que levou Estrigas à elaboração de seu painel em que exibe
a visão pessoal da epopéia.
Até
então, os poucos historiadores brasileiros que abordaram o assunto, relatavam que Pinzon chegara primeiramente às costas de
Pernambuco, no Cabo de Santo Agostinho, mas os novos estudos comprovam que o primeiro ponto de desembarque foi mesmo a ponta
do Mucuripe, no Ceará.
As
viagens do navegador espanhol pelas costas brasileiras mantiveram-se envolvidas em nuvens escuras durante muitos anos, em
primeiro lugar para não criar um incidente diplomático entre Espanha e Portugal que já haviam repartido o mundo entre si em
1494 por meio do Tratado das Tordesilhas, dando aos portugueses o domínio sobre as terras percorridas por Pinzón. Até por isso, os colonizadores lusitanos trataram de minimizar o feito ou de negá-lo pelos séculos subseqüentes.
Após
a Independência, o governo brasileiro nunca cuidou de jogar luzes sobre o assunto, mantendo-se aferrado à idéia de que coube
unicamente a Cabral o “descobrimento” do Brasil e ponto final. Um ou outro historiador ou professor de história
ainda admitia sempre no condicional expressões do tipo “o navegador Pinzon também teria aportado” ou “há
quem diga que os espanhóis”...
É
surpreendentemente nova a reverência que se faz agora à chegada de Pinzón ao Mucuripe, mediante a escolha de um homem em idade
provecta, dotado daquela sensibilidade premonitória que só os grandes artistas possuem, para realizar uma obra capaz de projetar um fato histórico que já não pode mais ser escondido ou negado pelos nossos livros
de história: o desembarque dos espanhóis no Brasil meses antes de Cabral.
Estrigas
é o pseudônimo empregado por Nilo de Brito Firmeza, um dos artistas mais conceituados do Ceará, que transformou sua casa,
no Mondubim, em Fortaleza, num museu aberto à visitação pública, que funciona desde 1969, sempre com muita dificuldade pela
falta de apoio público.
Em
2004, um de seus amigos de infância e de colégio, o empresário J. Macedo, também com 85 anos - dono do grupo que leva o seu
nome e que é um dos maiores da indústria moageira do país -, convidou-o para realizar uma obra mural à frente das novas instalações
da empresa na Ponta do Mucuripe. Estrigas aproveitou então para situar o local
fazendo menção à sua importância histórica de ponto de desembarque da esquadra
comandada pelo navegante espanhol Vicente Yanez Pinzón.
Ao
festejar o episódio, o mural de Estrigas traduz o espírito novo que preside a história brasileira, sem mutilações e sem preconceitos.
E projeta no espaço cearense uma obra plena de vitalidade e cores, arrojada pela força do tema e pelo uso da linguagem musiva
que traduz o que há de mais atual na retomada do muralismo nas artes contemporâneas.
hgougon, 2010
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