A sedução da serpente na obra de Cláudia Sperb
Artista consagrada no espaço das gravuras,
a gaúcha Cláudia Sperb decidiu, desde muito cedo, encarar o enigma das serpentes como objeto de interesse artístico e começou
a desvendá-lo pouco a pouco, adentrando um universo que até então tinha seu interesse restrito aos cientistas.
Já na infância, em Novo Hamburgo, Cláudia recolheu da avó uma tirada
poética que guardou para sempre. Foi num belo dia em que lhe perguntou sobre a origem das flores. Ouviu de pronto: “Elas
nascem de um arroto das cobras”. A resposta iluminou sua fantasia infantil e moldou
seu espírito para sempre, despegando-se do estigma ancestral que associa a serpente à ação traiçoeira e à indução ao pecado
original, descrito no Gênesis.
Cláudia cresceu entre flores e serpentes. Ao instalar seu ateliê no alto de um cume dos
mais elevados do Rio Grande do Sul, o morro Reuter, já se inspirava nas curvas das serpentes para gravar suas primeiras xilogravuras.
Quando apresentou sua produção entre 1992 e 2005, o titulo da mostra – A cobra que fala – já dizia tudo. A exposição
foi na Câmara Municipal de Porto Alegre onde apresentou 26 trabalhos impressos num livro que fez com seu filho Eduardo, então
com oito anos de idade. Nele há, além das gravuras, poemas, brincadeiras e noções científicas sobre as cobras.
Essa inspiração artística buscada nos animais peçonhentos acabou levando-a a outros horizontes.
Além da gravura, Cláudia também envolveu-se com a arte dos mosaicos com a qual projetou novos espaços de exposição e arrebanhou
alunos interessados e dispostos a viajar no mesmo sonho: uma nova percepção das serpentes, muito além do estigma do pecado
original, que lhes persegue milenarmente.
Suas serpentes criadas a partir de quebras
de azulejo apelam para um novo sentido do olhar, conseguido pelos padrões coloridos que modificam gaudianamente a relação
das pessoas com os bichos, especialmente os peçonhentos.
O reconhecimento de seu lado amigável com a nossa fauna ofídica acabou resultando num
trabalho colossal realizado justamente no interior do Instituto Butantan, em São Paulo, tendo por inspiração os bichos estudados
pela instituição. Ali, sob coordenação da artista, um grupo formado por 150 de jovens iniciantes e iniciados na arte do mosaico
produziu uma obra de 198 metros quadrados, que resultou num tapete retratando todos os tipos
de animais pesquisados pelos cientistas do Instituto, incluindo tanto os peçonhentos como cobras e escorpiões e os não peçonhentos,
como macacos e lagartos.
A iniciativa de realizar a obra decorreu de convite formulado pelo diretor da Divisão
Cultural do Butantan, Henrique Moisés Canter, para comemorar aniversário do Instituto.
No espaço gaúcho Cláudia também procede da mesma maneira, ministrando oficinas para que
os jovens de maneira geral aprendam a arte do mosaico e modifiquem a visão do mundo, através de um olhar com menos preconceito
e mais conhecimento. Foi o que aconteceu, por exemplo, ainda em 2008, quando convidou os alunos da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Neusa Goulart Brizola a produzir obras em mosaico explorando o tema das serpentes, de forma a desmistificá-las
através da arte e da informação científica.
Sem dúvida, Claúdia Sperb se insere naquele elenco de artistas caracterizados pelo inconformismo
e impulsionados pela força interior de ajudar na construção de um mundo melhor, com menos preconceitos, mais verdade e mais
sonhos.
Hgougon,
2010
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