Erigida em ritmo alucinante nos anos de 1958 a 1960, Brasília não contou com qualquer
tipo de decoração nas calçadas de suas ruas no período de construção. As únicas pedras portuguesas que chegaram à cidade foram
empregadas na pavimentação da Praça dos Três Poderes e do piso ao redor do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal,
sem receber qualquer tratamento ornamental. As pedras eram exclusivamente brancas (calcita).
Assim permanecem ainda hoje, embora tenham passado por completa restauração à época do
governo Sarney (1985 a 1989). Preocupado com a freqüência
dos protestos dos populares na Praça dos Três Poderes, Sarney recomendou ao então governador nomeado de Brasília, José Aparecido
de Oliveira, a execução de medidas de seguranças na área. Entre as que foram adotadas, Aparecido providenciou a recolocação
das pedras, fortalecendo o traço de cimento e areia para que nunca mais pudessem ser arrancadas do local e arremessadas contra
os palácios vizinhos, para alívio do presidente. Mas manteve o calçamento branco, desprezando a tradição decorativa dos portugueses,
muito bem reinterpretada no Rio de Janeiro e em quase todo o país, que recomenda a execução de algum tipo de desenho no piso,
evitando o caráter inexpressivo do chapeado monocromático.
Longe dos palácios, as calçadas de Brasília foram todas realizadas exclusivamente em argamassa
(cimento, areia e brita), inclusive a da W-3 Sul, o eixo pioneiro onde fervilhava a vida urbana nas duas primeiras décadas
da cidade. Em 1972, finalmente, a Novacap resolveu realizar o primeiro calçamento com mosaicos decorativos naquela via. Contratou
os serviços do arquiteto Fabrício Pedroza, indicado pelo Conselho de Urbanismo e Arquitetura de Brasília. Tratava-se então
de aluno recém-formado pelo curso de Arquitetura da Universidade de Brasília, nos anos 60. Sua formação vinha de mestres eméritos
como Oscar Niemeyer, Athos Bulcão e Alfredo Ceschiatti. Seu projeto de mosaico para a W-3 foi saudado pela imprensa local,
bem como pela imprensa do Rio e de São Paulo, que viram na iniciativa uma proposta de humanização da cidade, abrindo suas
páginas para publicar matérias amplas com fotos dos desenhos concebidos pelo arquiteto (em Correio Braziliense, O Globo e
O Estado de S. Paulo, janeiro de 1972).
A imprensa saudou a novidade do mosaico-calçada |
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Em 1972, o primeiro piso com desenhos na Av. W-3 |
O arquiteto está de volta a Brasília, depois de uma vivência de quase duas décadas em
países da Ásia e da África, sempre trabalhando com arquitetura. Um projeto de casas populares que conduziu em Angola e Moçambique
tornou-se referencial na área acadêmica. Fabrício ocupou cargo de responsabilidade no Ministério da Cultura, tendo recebido
do ex-ministro Gilberto Gil a tarefa de remodelar a arquitetura interior do pavimento onde se localizava seu gabinete.
Os pisos concebidos por Fabrício para as calçadas da Avenida W-3 Sul ainda resistem em
quase todos os trechos, embora os comerciantes ao longo da via tenham modificado, a bel-prazer, partes das calçadas localizadas
junto às suas lojas, sejam com outros mosaicos de pedra portuguesa seja com argamassa ou qualquer tipo de revestimento pavimentar.
Os buracos foram abertos muitas vezes com o objetivo de fazer passar condutos
elétricos e até encanamentos.
Obra de Galeno embeleza piso de Brazlândia |
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Artista também optou por uma geometria pessoal |
Já nos anos 90, a prefeitura de Brazlândia – a satélite mais distante do Plano Piloto
– recorreu aos desenhos de um dos seus moradores mais ilustres, o artista plástico Francisco Galeno, para realizar mosaicos
em pedra portuguesa no calçamento de entorno do lago no centro da cidade.
Galeno é piauiense de Parnaíba, onde nasceu nos idos de 1957, vindo com sua família aos
dez anos para Brasília em busca de oportunidades melhores. É hoje um nome vitorioso nas artes plásticas da Capital da República,
com grande reconhecimento da crítica. E continua vivendo na sua acolhedora Brazlândia, emprestando ao local um pouco de seu
prestígio e de seu talento.
Considerando toda a área do Distrito Federal, é ainda pequena a parcela ocupada pelo mosaico-calçada
na malha urbana. Há espaço considerável para o emprego do piso de pedras portuguesas e há artistas talentosos para elaborá-los
em Brasília.
O paisagista Roberto Burle Marx, que também era mosaicista refinado e autor de muitos
projetos de mosaico-calçada em todo o país, participou da aventura modernista de criação da nova Capital da República, realizando
os jardins do Itamaraty e da Esplanada do Exército, no Setor Militar Urbano, mas, infelizmente, não produziu nada em pedras
portuguesas para os pisos de Brasília. Os tempos de construção ficaram para trás e o espaço continua aberto a novos nomes
que dêem seqüência aos trabalhos concebidos pelo arquiteto Fabrício Pedroza e pelo artista plástico Francisco Galeno. A iniciativa
merece continuidade na opção pelas pedras e no design elegante e contemporâneo que eles deixaram nas calçadas do Planalto
Central. No momento em que escrevo, vem crescendo em Brasília um movimento para que se faça ao longo da Avenida W-3 um novo
piso em pedras portuguesas reproduzindo poesias dos poetas da cidade. O movimento poético da Capital da República é forte
e tem visibilidade além das fronteiras de Brasília. A idéia das Calçadas Poéticas
espelha-se no projeto vitorioso das Calçadas Musicais e tem tudo para ser concretizado em Brasília, com igual sucesso.
H.Gougon, maio/2009
Leia em outra página deste site: PROJETO CALÇADAS POÉTICAS PARA BRASILIA
desenhos de Fabrício Pedrosa enriquecem Brasília |
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Mosaico de Fabrício já é um clássico da arqueologia contemporânea |
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