Na pista de um suposto mosaico de Volpi

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A casa de JK é um marco da arquitetura moderna
niemeyerpampulhapt.jpg
A casa guarda uma obra de Volpi e outra de Paulo Werneck

Volpi fizera um mosaico belíssimo em sua casa da Pampulha

 

A afirmação está lá na página 679 do livro JK, o artista do Impossível, obra premiadíssima do jornalista Cláudio Bojunga, ao relatar, quase ao final, um pouco do apreço que os artistas plásticos guardavam em relação ao ex-presidente da República.

Vibrei com a revelação, senti sua importância e fui à luta, como venho fazendo ultimamente, em busca da obra, da data, da foto e de outras informações possíveis para referenciá-la historicamente, sobretudo por envolver um dos nomes mais significativos do período modernista.

Primeiramente, consultei uma amiga mosaicista, Ângela Costa, artista referencial de Uberlândia, de quem invejo o parentesco que tem com os Kubitschek. Ela telefonou para Maristela, a única filha viva (a outra filha, Márcia, que foi deputada por Brasília, faleceu há alguns anos) em busca de informações sobre o mosaico do Volpi.   Muito simpática, Maristela, no entanto, disse mais ou menos o seguinte:

 --Lembro-me bem que papai morou em duas casas na Pampulha, sendo que nos mudamos da segunda quando eu  tinha 11 anos, de forma que não me lembro desse mosaico.

Fiquei em dúvida. Passei a estudar melhor a obra de Volpi e comecei a desconfiar que o artista do Cambuci, de onde quase nunca se afastava, jamais teria produzido mosaico em sua vida. Não havia nenhum dado em sua biografia capaz de sustentar a realização do trabalho citado por Bojunga. Alfredo Volpi nascera na Itália e viera para o Brasil com dois anos de idade. Sempre manteve a cidadania italiana, mas só por uma vez viajou ao país de origem, sendo que sequer interessou-se em conhecer Ravena, cidade por onde passaram diversos companheiros modernistas em busca de lições de mosaico, como Quirino Campofiorito, Antônio Carelli e tantos outros na década de 50 (na época, quem não foi a Ravena, foi a Paris estudar mosaico diretamente com Gino Severini, a exemplo de Flávio Shiró, Sylvio Alves, Takaoka e Inimá de Paula).

A obra mais próxima de mosaico, realizada por Volpi, foi um projeto de vitral executado na Igreja do Cristo Operário, em São Paulo. Como se sabe, vitral e tapeçaria são parentes próximos, eu diria primos do mosaico. Mas não são mosaicos.

Pois bem, só me restava então confirmar a informação com o autor do livro. Foi o que fiz, chegando a enviar quatro e-mails, todos sem resposta, para a TV-Educativa, onde ele trabalha. Pedi socorro ao Observatório da Imprensa que, finalmente, forneceu um e-mail válido do jornalista Cláudio Bojunga. No dia seguinte, telefonou-me:

--Olhe, eu mesmo vi esse mosaico. Ele está numa casa à beira do Lago da Pampulha, que foi de Juscelino e depois vendida para Joubert Guerra, já falecido. Eu estive por lá no ano 2000 e conversei com a viúva, que estava em idade provecta.

A partir daí, a investigação avançou depressa. Descobri que Joubert Guerra fora prefeito de Diamantina de 1936 a 1940, sucedendo a Juscelino, de quem se tornou grande amigo. Comprou dele, no início dos anos 50, a casa da Pampulha, projetada por Oscar Niemeyer. Sua arquitetura é um marco modernista da época, no contexto das demais obras daquele espaço a Igreja, o Cassino (depois transformado em Museu) e o Iate Clube. Na lista telefônica, encontrei dois números em nome de Joubert Guerra. Num deles, atendeu o filho, que leva seu nome.  Muito gentil e amável, disse que na casa continua residindo sua mãe, Dona Juracy Joubert, e que o mosaico citado por Cláudio Bojunga não é propriamente um mosaico, mas um azulejo concebido  por Volpi, em parceria com Paulo Osir e  que teve a execução assinada igualmente por  Volpi e por Zanini  (trata-se de Mário Zanini, o pintor modernista, que não deve ser confundido com Zanine Caldas, o  mestre da arquitetura em madeira). 

Embora não seja um mosaico, trata-se de peça artística de valor inestimável, até porque revela um padrão pictórico completamente distinto daquele que marcou a obra de Volpi, das bandeirinhas, das igrejas, do geometrismo. Mas a investigação não ficou por aí.  Na mesma casa projetada por Niemeyer, encontra-se, em outro espaço, um painel em mosaico de autoria de Paulo Werneck, embora sem assinatura.  Para quem não se recorda, vou recapitular: Paulo Werneck é, sem sombra de dúvida, um dos maiores artistas do mosaico do século passado, com obras distribuídas um pouco por toda parte, sobretudo no Rio, em Minas e em Brasília, onde seu trabalho acabou secundado pela obra mais visível de Athos Bulcão. Paulo Werneck tem painéis de mosaico, que poucos brasilienses conhecem, no interior do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, da sede do BRB, do antigo prédio da Telebrás e do Itamaraty.  E ainda mais: também tinha um mural no Hotel Brasília Palace, que pegou fogo, consumindo sua obra e a de Athos Bulcão, bem próxima uma da outra.

Pedi à minha filha, que mora em Belo Horizonte, para tirar a limpo as obras importantíssimas no interior da casa de JK na Pampulha. No dia seguinte, documentou-as e me enviou fotos, que reproduzo, em anexo, bem como da casa projetada por Niemeyer nos anos 40.

Toda essa história relativa ao suposto mosaico de Volpi revela uma lição: ainda existe muita gente que confunde mosaico com azulejo. O jornalista Cláudio Bojunga não é exceção. Por isso, quando se fala de mosaicos da igrejinha da Pampulha, as pessoas pensam logo em Portinari. Ora, Portinari não produziu mosaico na Pampulha, mas simplesmente pintou azulejos. Quem projetou e executou mosaicos na Pampulha foi o artista Paulo Werneck. É de sua autoria o revestimento externo da Igrejinha de São Francisco de Assis, a primeira de uma série que iria fazer dali em diante, boa parte delas a convite de Niemeyer, de quem foi colega dos bancos da escola.

Embora um painel de azulejo não deva ser confundido com um mosaico, sempre é bom lembrar que o primeiro decorre do segundo. Para manter a imagem familiar e genealógica, diria que azulejo é filho do mosaico.  No ocidente, a história da cerâmica e do azulejo, em particular, começa com pedaços de terracota lisa, monocromática, sem vidrado, que os espanhóis conheceram através da ocupação moura.  Na Europa Medieval, o azulejo decorado vai surgir na Inglaterra, nos palácios e igrejas, a partir do século XIII, mas tudo isso é outra história, para outro estudo, outra viagem.

Gougon, em final de outubro de 2003

Obra de Volpi é pintura em azulejo
volpipampulha.jpg

obra assinada em conjunto com Mário Zanini
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FRAGMENTO : Concepção repartida com Paulo Osir, da Osirarte

Na mesma casa da Pampulha, a obra de Paulo Werneck
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O mosaico de Paulo Werneck convive com o azulejo de Volpi

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