Flávio Império: a memória em vidrotil
Em 1985, às véspera de completar 50 anos, Flávio Império tombou. Sobre suas
cinzas chorou a enorme coleção de amigos e admiradores, companheiros de arquitetura, artistas, poetas e brasileiros em geral
que tinham nele a expressão máxima do saber artístico, da arte da realização cênica, do compromisso com a liberdade e a verdade
e, especialmente do envolvimento denso com o teatro e com a vida. Foi uma perda gigantesca. Não é todo dia que nasce um Flávio
Império.
Ao recobrar-se da perda, a legião de admiradores começou a avaliar a enormidade
do buraco deixado por sua falta. Mas também teve início o processo de recolher dados de sua obra para a construção do resgate.
É nesse momento que surge um livro fabuloso organizado por sua irmã Amélia Hamburger e pela crítica Renina Katz, que descrevem
e catalogam a obra de Flávio Império, incluindo um capítulo denso a respeito de seus trabalhos com lápis, aquarela e óleos.
É provavelmente a face menos conhecida do artista. A obra foi lançada em 1999 pela Editora da USP (Edusp), com apoio da Sociedade
Cultural Flávio Império.
Dentre as obras ali catalogadas, consta referência a um “Estudo para
painel em vidrotil. Documento fotográfico. Descrição: Arara. Técnica: Lápis de cor e grafite
sobre papel. Data: 1981. Coleção Arquivo Sociedade Cultural Flávio Império”.
A identificação da obra e a indicação sobre a proposta deram lugar à realização
da peça, em tamanho adequado, com pastilhas da vidrotil, conforme indicava o artista. (Na verdade, Vidrotil é o nome de um
tipo de pastilhas, seguramente as mais empregadas no Brasil, fabricadas por uma empresa fundada em 1947 e que mantém ainda
hoje os mesmos padrões e qualidade da feitura artesanal há 63 anos ininterruptos).
O resgate e a execução desse painel merecem ser comemorados porque é uma ação
exemplar, que poderia ser seguida em muitos outros casos de artistas que deixaram obras indicadas para execução em mosaico,
como é o caso, por exemplo, de Carlos Scliar, que deixou diversos trabalhos notáveis para concretização em pastilhas, de resto
já comentado em outro espaço deste site.
No caso de Flávio Império, o trabalho “Araras” foi projetado em
1981 para a casa do pai do escritor Milton Hatoum, em Manaus. Após o falecimento do artista, a irmã
Amélia providenciou um segundo trabalho baseado no desenho original, que passou a
ornar uma área do Jardim Eurico Padro Lopes, na passagem de acesso da estação Vergueiro do Metrô ao Centro Cultural São Paulo.
Para quem está em São Paulo, vale a pena conhecer a obra de Flávio
Império que exibe tons multicoloridos que se destacam no chamado Piso Verde, conferido ao percurso. É uma homenagem ao artista,
que merecia isso, como merece muito mais tendo em vista a enormidade de projetos artísticos que deixou, quase todos já catalogados
na obra da EDUSP, de Amélia Hamburger e Renina Katz. Afinal, é sempre bom lembrar que, no momento em que subscrevo esse texto,
corre o ano de 2010, ou seja, 25 anos da perda do grande cenógrafo, arquiteto e artista plástico Flávio Império.
Hgougon, fev. 2010
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