ATHOS BULCÃO: DOS MOSAICOS NO RIO DE JANEIRO AOS AZULEJOS NA CAPITAL DA REPÚBLICA
Athos Bulcão foi o principal artista da Capital da República. Falecido em 2008, aos 90 anos de idade,
deixou em Brasília um conjunto colossal de obras visuais, dentre as quais destaca-a a azulejaria, que reformulou completamente,
despegando-se da antiga tradição portuguesa, mediante a criação de novos padrões de desenhos geométricos, de natureza aparentemente
simples e despojada, mas de fundo requintado, cobrindo muitas vezes as paredes nuas, desenhadas por Niemeyer, seu principal
“cliente”.
Athos já conhecia o arquiteto desde a obra da Pampulha, em Belo Horizonte, dos anos 40/50, quando trabalhou
ao lado de Portinari como ajudante do mestre na execução do
polêmico painel retratando São Francisco de Assis, rodeado por bichos.
Em Brasília, Athos Bulcão foi o artista da primeira hora, ao lado de Bruno Giorgi e Alfredo Ceschiatti.
Após a inauguração da cidade, os dois retornaram ao Rio de Janeiro, mas ele ficou, continuando a produzir obras muito vistosas um pouco por toda parte da nova Capital.
Além de Niemeyer, seus clientes foram todos os grandes arquitetos do período modernista, como o Lelé
Filgueiras, projetista das instalações do Hospital Sarah Kubitschek, e quase todos os demais que deram seqüência à construção
de Brasília.
Seu nome hoje está indissociado de Brasília, da qual é uma das principais referências no domínio artístico.
O que poucos conhecem, no entanto, é sua formação anterior, adquirida no Rio de Janeiro, onde realizou painéis em mosaico,
seguindo a vertente artística dominante no período que vai do final dos anos 40 até a primeira metade dos 60.
Pois em 1955, antes de transferir-se para Brasília, Athos produziu este belíssimo painel em pastilhas
da empresa Vidrotil para um prédio residencial na Rua Bolívar, do Rio de Janeiro, onde vivia. Recorreu à linguagem musiva,
inspirado certamente pelo grande impulso que o mosaico recebeu ao final dos anos 40 e início dos 50, com obras musivas de
vulto realizadas por Portinari, Di Cavalcanti, Paulo Werneck e tantos outros.
Sua transferência para Brasília impôs ao trabalho outro ritmo, digamos, mais acelerado no tempo e nos
prazos que a construção da cidade exigia.
Athos optou, na Capital da República, pelo uso de azulejos, em que se distinguiu com maestria, a começar
pelo revestimento externo da chamada Igrejinha da 108 (Igreja Na.Sa.de Fátima, projeto de Oscar Niemeyer realizado por encomenda
(e pagamento de promessa) da primeira Dama, Sarah Kubitschek, ainda em 1957, do qual se diz que foi inspirado num chapéu de
freira.
Depois deste, não parou mais, realizando obras pela cidade inteira, especialmente no Plano Piloto,
onde decorou o Palácio Itamaraty, o Teatro Nacional, o Congresso, o Hospital Sarah Kubitschek, e muitos outros monumentos.
Sua última exposição individual ocorreu no Centro Cultural do Banco do Brasil, em 2002, a
que compareci, muito emocionado com a vastidão da mostra e pela presença numerosa de amigos do artista.. A mostra também abrigou
fotos de outros trabalhos de sua autoria, como a sucessão de máscaras, muitas delas influenciadas pela força de sua vertente
musiva, com a colocação de pedrinhas coloridas de vidro.
Transcrevo aqui, a propósito, o texto magnífico que o jornalista e poeta TT Catalão publicou na edição
de 7 de novembro de 2002 na página de Opinião do Correio Braziliense sobre Athos Bulcão, que mostra com nitidez a importância
do artista para Brasília. É artigo para ser lido sobretudo por quem não é de Brasília, para ter uma noção de como o artista
é ligado ou até se confunde com a vida da Capital.
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Athos & atitudes
TT Catalão
A arte sobe pelas paredes. Athos Bulcão é assim. Com aquele ar de monge só na aparência, coisa do recato
inteligente. Athos é um carioca do Catete legítimo expoente da constelação criadora de Brasília, mas com um expressivo detalhe:
ficou na cidade. Habitou a utopia. Foi fundo nessa maquete de vanguarda e aborto socialista que, a cada dia, fica mais lúcida
na construção da sua cidadania. E se Brasília adquire alma, além da prancheta monumental, é exatamente pela presença-seiva
de figuras como Athos.
É a diferença entre predadores e criadores da cidade.
Uns vêm para se dar bem (carreira, lobby ou grana). Geralmente se espatifam na vidraça de luz do Planalto. São mosquitos tolos
que vêem o lado de fora, mas desconhecem a magia da vidraça. Brigam com a cidade, sofrem com os modos e podem até sair com
sucesso e dinheiro, mas a alma fica aos cacos por tanto confronto. Athos fez da sua arte, atitude de vida. Outra diferença:
ele vive o que pinta, traça, modela, monta ou esquadrinha.
Artista raro. Sem panelas, sem rodar bolsinha no mercado,
sem bajular a corte dos críticos que criam factóides estéticos em nome daquela onda mais ou menos alinhada ao status Berlim-Paris
ou substrato NY-Tóquio-Barcelona. Athos não cuspiu no prato que comeu. Ao contrário, ofertou sua obra e a si para a cidade
canibal da sua grandeza.
O brasiliense sempre encontra sua arte no caminho: ao
lado da rodoviária tem o mural de cubos no Teatro Nacional; azulejos na Igrejinha, aeroporto, Parque da Cidade, Congresso
Nacional e prédios públicos. Athos convive em cada pedaço da cidade. Athos está em painéis interiores, máscaras, pinturas
e desenhos. Presente na grande galeria a céu aberto da cidade mania essa, de brasiliense celebrar ar livre, luz explícita,
horizontes, justiça, exigir clareza em governador, impor ética na vida pública. Que mania!
A arte de Athos foi reunida no Centro Cultural do Banco
do Brasil, em exposição que abre hoje, às 11 horas, com a presença do artista. A atitude de Athos está nas ruas. Técnica e
sensibilidade. Converte-se na própria obra como está exposto e integrado ao conceito de arquitetura. Supera o suporte: não
enfeita parede, a justifica. Às vezes, é a construção que adquire sentido a partir da intervenção de Athos. Meigo e sagaz,
ele compõe cada traço sob longa percepção do meio: absorve para depois criar. Afável em extrema paciência (volta o monge).
Athos cultiva silêncios enquanto abre grandes planos monumentais. Retribua um pouco dessa oferta e ame Athos no que faz, onde
ele estiver na cidade, pelo que ele é. Rumo ao CCBB, já!
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