Abaixo, foto clássica de autor desconhecido no dia 5 de julho de 1922. Mostra os 18 oficiais do Forte de Copacabana marchando
em direção a morte. Repare na calçada: já existia desde 1906. As curvas eram perpendiculares ao movimento das ondas ... diferentemente
de hoje.
MARCHA DOS 18 DO FORTE, IMAGEM HISTÓRICA |
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TECLE SOBRE A FIGURA E VEJA UMA PÁGINA AMPLA SOBRE OS MOSAICOS EM PEDRA E EM PASTILHAS DE BURLE MARX |
A chegada da pedra portuguesa ao Brasil
Abaixo, reprodução colorizada da foto dos 18 do Forte (5 DE JULHO DE 1922).
REPRODUÇÃO DA MARCHA DOS 18 DO FORTE |
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OBRA ENCONTRA-SE NO INTERIOR DO FORTE DE COPACABANA |
No Brasil, a escolha de Pereira Passos para
prefeito do Rio de Janeiro no alvorecer do Século XX veio abrir um novo ciclo de desenvolvimento urbano para a cidade. Já
era um homem septuagenário, havia estudado em Paris, onde bebeu da experiência revolucionária que Haussmann empreendera
na cidade, após a derrota da Comuna, rasgando avenidas majestosas e dando à capital francesa a feição que guarda ainda hoje.
Conhecido como o "bota abaixo", Pereira Passos arrasou com o morro do Castelo, pondo por terra cerca de 600 casas e rasgando
a fórceps a chamada Avenida Central, em 1905, que seria rebatizada de Avenida Rio Branco, dois dias depois da morte do Barão,
em 1912.
OBSERVE NOVAMENTE: ESTA FOTO AQUI É DE 1929 E AS ONDAS CONTINUAM
PERPENDICULARES AO MAR, MAS POUCO DEPOIS, APÓS UMA GRANDE RESSACA QUE DESTRUIU GRANDE PARTE DA CALÇADA, ELA FINALMENTE FOI
REFORMADA, GANHANDO O SENTIDO PARALELO AO MAR (VEJA MAIS ABAIXO), QUE BURLE MARX MANTEVE NA REFORMA DOS ANOS 70, APENAS SENSUALIZANDO
AINDA MAIS O DESENHO ORIGINAL DOS CALCETEIROS PORTUGUESES
calçada de COPACABANA até 1929 |
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REPARE A PERPENDICULARIDADE DA ONDA EM RELAÇÃO AO MAR |
Para
calçar a nova Avenida, fez vir de Portugal um grupo de calceteiros portugueses e, também, as pedras portuguesas (calcáreo
branco e basalto negro). A quantidade era enorme e, além de calçar toda a Avenida, com desenhos variados, conforme o local
onde era aplicado, as pedras ainda foram calçar, em 1906, a Avenida Atlântica, construída também por sua iniciativa,
viabilizando os bairros de Copacabana e do Leme através da abertura do túnel do Leme no início daquele ano.
Pereira Passos foi o grande modernizador da cidade
do Rio de Janeiro. Deve-se a ele, igualmente, a decisão de construir o Teatro Municipal, uma reprodução menor do
Teatro da Ópera de Paris, onde buscou inspiração e até obras dos artistas que a ornamentaram, como foi o caso do atelier parisiense
do mosaicista Gian Domenico Facchinna, o grande italiano da região do Frioul, a quem a História deve a invenção
do mosaico de colocação indireta. Mas esta é outra história para outro capítulo, a ser contada depois com mais detalhes.
As importações de pedras portuguesas
efetuadas por Pereira Passos nunca mais se repetiram. Logo foram identificadas enormes jazidas próximas ao Rio de Janeiro,
mas a denominação das pedras ficou. Hoje, suas extrações são variadas e espalhadas por todo o país, mas é de se destacar o
Paraná como um dos maiores fornecedores.
Em Copacabana, o desenho das ondas, imitando o mar, ficou para sempre com a cara do bairro, tornando-se
um logotipo internacional. O desenho foi trazido pelos calceteiros portugueses, mas não tinha então a volúpia curvilínea que
se nota hoje. Um bom testemunho é a foto, muito divulgada desde 1922, retratando a marcha dos 18 do Forte que no dia 5 de
Julho daquele ano rebelaram-se contra o governo e fizeram um pacto de morte, enfrentando as forças legalistas infinitamente
mais numerosas e mais equipadas. Do movimento, sobreviveram apenas dois oficiais, com muitos ferimentos: os tenentes Siqueira
Campos e Eduardo Gomes. O gesto heróico iria marcar o início do movimento tenentista, que teria presença avassaladora
na vida política do país até a morte do último "tenente", o marechal Cordeiro de Farias, no início do governo Figueiredo.
Mas este já é outro mosaico, o mosaico da vida política brasileira, para ser conversado em outro espaço.
AGORA SIM, NESTA FOTO DE 1932, O "CALÇADÃO", QUE AINDA NÃO TINHA A DIMENSÃO ATUAL NEM ERA TRATADO COM O AUMENTATIVO ÃO, FOI REFORMADO COMO CONVÉM, COM AS ONDAS NO SENTIDO PARALELO
AO MAR.
A FOTO É DE1932, A CALÇADA JÁ ESTÁ MODIFICADA. |
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REPARE QUE AS ONDAS AGORA ALINHAM-SE PARALELAMENTE AO MAR. MAS AINDA EM DIMENSÕES ACANHADAS |
Para concluir, vale observar que o primeiro calçamento
de "ondas", criado e executado pelos calceteiros portugueses, não levava em consideração as ondas da praia, ignorando
o padrão conceitual de dar-lhes "continuidade" ao movimento das ondas. Ao contrário, as "ondas" do desenho original
eram modestas em sua curvatura e perpendiculares às ondas do mar.
O paralelismo só foi adotado no início dos anos 30, depois que mais uma ressaca das grandes arrebentou com
boa parte do piso. Mais pra frente, durante a grande reforma dos anos 70, que duplicou a pista e a extensão da praia, o
paisagista Roberto Burle Marx assumiu a responsabilidade de refazer a orla.
Calçada da praia em frente ao Copacabana Palace |
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Foto é da primeira década dos anos 20 |
REPARE DE NOVO: A PERPENDICULARIDADE DO DESENHO |
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O DESENHO PERPENDICULAR FOI MANTIDO ATÉ O FINAL DOS ANOS 20 |
No calçamento junto à praia o paisagista teve o bom senso de manter o mesmo desenho de curvas, sugerindo
o paralelismo às ondas do mar. Apenas sensualizou as curvas, ampliando-as até o limite do calçadão.
Com o alargamento da Avenida Atlântica, que ganhou duas pistas de tráfego e um canteiro central, Burle
Marx ocupou todos os espaços das calçadas, elaborando desenhos tanto para o calçamento junto aos prédios quanto para
o piso da área central da pista.
Burle Marx inovou na Avenida Atlântica |
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A originalidade de seus desenho expressa-se principalmente no canteiro central e junto aos edifícios |
DESENHO ORIGINAL DE BURLE MARX PARA A ATLÂNTICA |
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VISTO DE CIMA AINDA É MAIS BONITO |
VEJA ABAIXO: FOTO RECENTE (2009) QUE OBTIVE DURANTE O REPARO DE UMA ÁREA DO CALÇADÃO DA AVENIDA ATLÂNTICA POR FORÇA DA CONSTRUÇÃO
DE NOVOS QUIOSQUES NA ORLA. DESDE 1905, A MANEIRA DE TALHAR A PEDRA E DE CALÇAR É ABSOLUTAMENTE A MESMA.
calceteiro conserta piso na av. Atlântica, em Copa |
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Fontes
Livros:
"Olhar o chão", Editora CAsa da Moeda, Lisboa. (Ana Cabrera, Marília Nunes e Henrique
Dias), 1990
"Mesmo por baixo dos meus pés (uma viagem pela Calçada Portuguesa)", de Ernesto Matos,
Edição de autor, 1999
"Catálogo Panorama", da Bisazza Mosaico
Burle Marx: O Brasil nas calçadas de Copacabana por Edgardo
Mário Ruiz
Fotos:
Piso do Castelo de S. Jorge, Lisboa, 1842
Praça dos Restauradores, Lisboa
Fragmento de piso de calçada com pedras multicoloridas, Lisboa
Marcha dos 18 do Forte, Copacabana, 1922
Curvas atuais do calçadão de Copacabana, Burle Marx
Vista de cima do calçadão de Copa próximo aos prédios, Burle Marx
VEJA ABAIXO: SÃO FOTOS DOS CANTEIROS NO CENTRO DA AVENIDA ATLÂNTICA, JUNTO AOS PRÉDIOS.
NASCEM DA CONCEPÇÃO NOVA QUE BURLE MARX DÁ AOS PISOS,ACRESCENTANDO O BASALTO VERMELHO ÀS PEDRAS BRANCAS (CALCÁRIO) E
PRETAS (BASALTO TAMBÉM).
NA ORLA, JUNTO ÀS AREIAS, O GENIAL ARTISTA TEVE O BOM GOSTO DE MANTER OS DESENHOS ORIGINAIS DOS CALCETEIROS PORTUGUESES,
AMPLIANDO SUAS POSSIBILIDADES MEDIANTE UMA SENSUALIZAÇÃO MAGISTRAL DAS CURVAS E MANTENDO O PARALELISMO DAS ONDAS,
COMO CONVÉM.
O canteiro central: novas ondas de Burle Marx |
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BURLE MARX AMPLIOU AS ONDAS NOS ANOS 70 |
BURLE MARX INTRODUZIU A PEDRA VERMELHA |
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A PEDRA VERMELHA TAMBÉM É BASALTO, ASSIM COMO A NEGRA |
Os calceteiros portugueses que fizeram as calçadas da Avenida Rio Branco entre 1905 e 1908 também pavimentaram a área
em frente ao Teatro Municipal, depois conhecida por Cinelândia. O piso original foi mantido por muitas décadas. Ao final dos
anos 90 e início do século XXI, o prefeito César Maia modificou o calçamento da Cinelândia e de muitas outras áreas públicas
do Rio de Janeiro, dando uma feição mais moderna às calçadas, mas fazendo uso, também, das velhas e práticas pedras portuguesas.
CINELANDIA POUCO APÓS SUA CONSTRUÇÃO |
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CINELÂNDIA HOJE. PISO INTRODUZIDO POR CESAR MAIA |
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Um artigo de Cora Rónai sobre as
pedras portuguesas no Rio de Janeiro
Transcrevo abaixo um texto antológico
sobre a questão das pedras portuguesas no Rio de Janeiro redigido pela brilhante jornalista Cora Rónai, nas páginas de O Globo
de 14 de maio de 2009. Trata-se de um texto definitivos com argumentos sobre a importância do calçamento em mosaico e a necessidade
de sua preservação. De tão importante, tirei uma cópia e a entreguei pessoalmente ao arquiteto Alfredo Gastal, correto e competente diretor do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico, em Brasília, DF.
(HGougon,
18 de maio de 2009)
ON THE ROCKS
Volta e meia, as nossas calçadas de pedras portuguesas ficam sob fogo
cruzado. 0 argumento é sempre o mesmo: o perigo que a falta de manutenção representa para os transeuntes. Mas, se o
problema é a manutenção, por que tirar as pedras? 0 que leva alguém a supor que uma cidade incapaz de
manter um calçamento de pedras portuguesas será capaz de manter um calçamento de qualquer outra coisa?
Já vimos este filme durante o Rio-Cidade, quando almas iluminadas
tiraram as pedrinhas da Avenida Copacabana, substituindo-as por materiais supostamente mais resistentes. Hoje,
passados 15 anos, sofremos com as consequências: não há nada mais feio, pobre ou antigo do que aquele cimento. Será
que é isso que queremos para a cidade toda?!
Não sei se vocês se lembram, mas, na época, enquanto desqualificava
as pedrinhas na Zona Sul, a prefeitura construía, na Ilha do Governador, mais de 15 quilômetros
de calçadas... em pedra portuguesa! Coerência, para que vos quero? O pior é que estou convencida de que as pedras
removidas em Copacabana foram revendidas, a peso de ouro, para a obra da Ilha; mas isso são outros 500. Ou 500
mil. O fato é que, ao contrário do que gostam de pregar seus detratores, os mosaicos são uma excelente
forma de calçamento, que vêm provando seu valor há milhares de anos. Variações das nossas calçadas usadas na Mesopotâmia,
no Egito e na antiguidade greco-romana sobreviveram a toda espécie de desastre e podem ser vistas até hoje. É verdade
que, no máximo, enfrentaram terremotos e erupções de vulcões, e não administrações do Cesar Maia; mas,
ainda assim...
Duvido que outras formas de calçamento se conservem tão bem
através dos séculos. Para ter idéia de como se comportam atualmente, basta ver as ruas lindas e impecáveis de
Lisboa, onde é quase impossível, se não impossível de todo, ver pedra fora do lugar.
O diretor-adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, Cristóvão Duarte, também pensa assim. Em artigo
publicado no site do GLOBO no último dia 28, ele aponta, entre as vantagens dos mosaicos de pedras portuguesas,
a sua imbatível flexibilidade, que permite acompanhar os menores declives do terreno e todas as formas geométricas
encontradas pelo caminho; a economia do sistema, que reaproveita sempre o mesmo material, e dispensa o uso de
cimento (basta que as pedras sejam assentadas bem próximas umas às outras, e não de qualquer maneira, como se faz aqui);
a praticidade do assentamento, que pode ser aberto para obras subterrâneas e fechado em seguida com um
mínimo de barulho e transtorno; e a sua capacidade drenante.
Esse é um ponto particularmente interessante. As pedras são (ou deveriam
ser) assentadas sobre uma camada de areia que, por sua vez, recobre um solo compactado e devidamente preparado para
drenar as águas superficiais. Ou seja: choveu, a calçada se enxuga rápido e sozinha. Para isso, porém, as pedrinhas
devem ser instaladas como manda a boa técnica, sem uso de cimento ou aderentes. A única "desvantagem" das pedras
portuguesas em relação aos outros tipos de calçamento é o custo. Elas são muito mais baratas e, por conseguinte, muito
menos lucrativas para quem faz as obras. Nós sabemos o que significa o custo Brasil, mas, sinceramente, já estava na
hora de isso mudar! Muito melhor e mais barato do que desfazer todas as calçadas e enfear o Rio era criar um curso permanente de calceteiros, que formasse mão de obra especializada
no assentamento de pedrinhas. Fazendo a coisa certa, em breve poderíamos até exportar know-how, já que, por acaso,
temos as calçadas mais famosas do mundo. No mais, é como diz o
professor Cristóvão:
"Uma cidade precisa ser construída e reconstruída todos os dias, pedrinha
por pedrinha, tal como os mestres calceteiros nos ensinaram ao longo da História das cidades. A força de cada pedrinha
decorre da força do sistema como um todo, gerado pelo fato de todas as pedrinhas compartilharem, solidárias,
o mesmo projeto de cidade."
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