Di Cavalcanti
was one of the greatest names of the modernist Brazilian plastic arts. In São Paulo he became famous for his many mosaic panels, of
which the most notable ones decorate the façade of the Cultura Artística Theater and the old building of the O Estado de S.
Paulo newspaper, nowadays a hotel. He began his career as a cartoonist and caricaturist of political critic Brazilian magazines.
Di Cavalcanti, das charges aos mosaicos
Os velhos amigos que me conhecem de longa data sabem bem o início de minha carreira como chargista nos primeiros anos
da Capital da República. Muito me orgulha ter sido o primeiro desenhista de Brasília a fazer charges para jornal, no Correio
Braziliense, em 1966; e para televisão, na TV-Brasília, entre 1967 e 1969. E também no Jornal de Brasília entre 1974 e 1994.
Essa atividade, que exerci paralelamente ao meu ofício de repórter, sempre me conduziu a um sentimento de proximidade e interesse
pela vida e a obra do grande artista modernista Emiliano Di Cavalcanti, que também se iniciou no mundo das artes visuais,
fazendo caricaturas e charges para a revista Fon-Fon, ali por volta de 1914. Di nasceu em 1897 e, apesar de ter-se consagrado
como o grande artista que foi até sua morte, em 1976, retornou mais de uma vez à atividade da charge diária, a mais notável
nos anos 50, quando passou a desenhar para o jornal Última Hora.
Se já não bastasse minha sintonia de admiração com essa vertente na trajetória de Di Cavalcanti, eis que torno a me
surpreender hoje, nessa revisão histórica da presença musiva no Brasil, da forte marca que imprimiu à arte, sobretudo nos
anos 50, com a realização de painéis em pastilhas, geralmente em áreas de grande visibilidade pública, como fachadas de prédios
e construções residenciais. Já se viu que outros grandes nomes da arte modernista brasileira, como Antônio Carelli, Inimá
de Paula, Lívio Abramo, Bramante Buffoni, Lygia Clark, Burle Marx e tantos outros,
inclusive Portinari, recorreram à técnica musiva para perpetuar sua obra em determinados ambientes. Mas o caso de Di Cavalcanti
emociona pelo tanto que fez nessa área, ocupando todos os espaços permitidos para seu uso em área pública.
Sem qualquer sombra de dúvida, o trabalho mais importante dentre todos que realizou em São Paulo,
foi o da fachada para o Teatro de Cultura Artística de São Paulo, na Rua Nestor Pestana, que pegou fogo em agosto de 2008.
A história da inauguração do painel tem
quase 60 anos. O painel de Di abrilhantou as cerimônias realizadas em dois dias seguidos, 8 e 9 de março de 1950, com
concertos realizados pelos dois maiores maestros e compositores da época, Villa-Lobos e Camargo Guarnieri.
O Teatro foi projetado pelo grande arquiteto Rino Levi e a obra custeada pela Sociedade de Cultura Artística, uma instituição
com a cara da alta burguesia paulista, que a mantém por meio de cotas societárias. Foi criada em 1912 por nomes como Afonso
Arinos de Mello Franco, Graça Aranha, Olavo Bilac, Coelho Neto e dezenas de outros intelectuais do início do século. A Sociedade
existe ainda hoje, sempre muito presente na vida da cidade. Um de seus últimos diretores foi José Mindlin, e o corpo de conselheiros
sempre abrigou nomes dos mais significativos e notáveis de São Paulo.
A obra
de Di Cavalcanti ocupava integralmente a fachada do Teatro, numa extensão de 48 metros de largura por oito de altura, totalmente
realizado em pastilhas de vidro. Decorridos mais de meio século, o painel continuava
íntegro, no mesmo local, confirmando, em grande proporções, o apogeu a que havia chegado o interesse modernista pela linguagem
das tesselas na década de 50, toda ela marcada por obras do gênero, quase sempre nas fachadas dos prédios nascentes, tanto
em São Paulo quanto no Rio de Janeiro
O processo para recuperação e restauração do prédio está em curso no momento em que escrevo (março de 2009) e entre
as iniciativas que desde já dão tranqüilidade quanto ao vai ocorrer daqui pra frente encontra-se a designação do arquiteto
Paulo Bruna para conduzir os trabalhos para reconstrução do prédio. Além de seus muitos títulos e qualificações tem uma
particularidade menos conhecida, mas que merece ser lembrada neste momento em que se aborda a recuperação do painel de
Di Cavalcanti, todo ele em pastilhas de vidro. É que Paulo Bruna foi o orientador da dissertação de mestrado da também arquiteta
Isabel Ruas sobre a produção de painéis em mosaico na cidade de São Paulo no período pós-guerra. Enfim, além de ser o arquiteto
respeitado e consagrado que se conhece, é ainda um seleto conhecedor da arte das tesselas e de suas implicações estéticas,
históricas e culturais.
Mas a presença dos painéis em mosaico de Di Cavalcanti não se limita a obras de prédios monumentais de S. Paulo. Vale
a pena conhecer de perto as obras que produziu em prédios do centro da cidade, como o Edifício Triângulo (acima) e o
Edifício Montreal (abaixo). Ambas tem sofrido alguns danos, próprios do desgaste do tempo e também por algum tipo de vandalismo
primário, mas logo que acontece algum problema, os responsáveis pelos prédios tomam providências para restaurar a obra e resgatar
sua integridade, até porque os usuários dos prédios cobram providências e a população também.
Além das obras de S. Paulo, é importante assinalar a presença de uma obra de Di Cavalcanti
muito significativa em Juiz de Fora, pacata e progressista cidade de Minas Gerais, onde,
ao final dos anos 40, ele foi convidado a realizar um painel para ser colocado em praça pública e destinado
a consagrar o primeiro centenário da fundação da cidade.
Ao final dos anos 90, algumas pastilhas começaram a cair,
mas logo a população se levantou em peso para promover a recuperação da obra, num mutirão até hoje muito lembrado por
lá. Vale a pena conhecer essa história, que relato abaixo.
Restauração de painel de Di Cavalcanti mobilizou população de Juiz de
Fora
A
200 quilômetros do litoral carioca, a cidade de Juiz de Fora goza de uma mineirice peculiar,
bafejada pelos ventos úmidos que sopram do Rio de Janeiro. Por inveja ou pelo simples gosto da pilhéria, os mineiros de outras
bandas dizem que os veículos com placa de Juiz de Fora padecem de corrosão da maresia. Centrada na Zona da Mata, a cidade
é um pólo de atração econômica e de importância cultural dentro de Minas Gerais, com destaque para espaços de referência nacional,
como o Museu Mariano Procópio que abriga 45 mil peças históricas, um dos maiores acervos museológicos do país.
Entre
as muitas esculturas, murais e obras artísticas em espaço público, a cidade pode se orgulhar de duas obras de Cândido Portinari:
um painel em azulejo (“As quatro estações”) à frente do Edifício-Clube de Juiz de Fora; e uma fachada em
mosaico no mesmo prédio, um dos principais do centro da cidade, retratando cavalos desenhados com pastilhas vítreas.
Juiz
de Fora abriga também o chamado “Marco do Centenário”, que é um monumento constituído por um muro curvo, em praça
pública, ornado por uma obra do modernista Di Cavalcanti, toda realizada em pastilhas .
METEORO, OBRA DE BRUNO GIORGI EM1960 |
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METEORO LEMBRA A VOLUTA DO PAINEL DE DI CAVALCANTI |
GUERREIROS, OBRA DE BRUNO GIORGI |
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OS BRAÇOS E PERNAS SÃO MUITO SIMILARES ÀS FIGURAS DE DI CAVALCANTI NO PAINEL DE JUIZ DE FORA |
O
projeto de Di Cavalcanti deve-se à iniciativa do arquiteto Arthur Arcuri, que em 1949 imaginou a colocação de um painel em
praça pública para marcar o transcurso do aniversário de cem anos de fundação da cidade de Juiz de Fora. Na época, ainda não
havia escolhido o autor para a obra e Arcuri viajou ao Rio para consultar seu amigo Oscar Niemeyer sobre o assunto.
O
próprio Arcuri, lúcido e festejado, é quem costumava contar a história quando já estava em idade provecta: “Niemeyer
não se encontrava no escritório e eu fiquei conversando com Di Cavalcanti, que também o aguardava. Quando ele chegou, foi
logo perguntando se eu e o Di já havíamos combinado. Naquele momento nasceu o painel”.
O PAINEL DE DI CAVALCANTI, FEITO EM 1951, MOSTRA FIGURAS QUE SE ASSEMELHAM AO DESENHO DA ESCULTURA
"GUERREIROS" DE BRUNO GIORGI, REALIZADA EM 1960.
TAMBÉM A VOLUTA NO PAINEL DE DI CAVALCANTI ANTECIPA O DESENHO DA ESCULTURA "METEORO", DE 1960.
O
centenário de Juiz de Fora foi comemorado em 1950, mas o painel só ficou pronto no ano seguinte. Não é uma obra grandiosa
como outros painéis que Di realizou para São Paulo também com pastilhas vítreas, mas tem um significado histórico por ter
sido o primeiro mural modernista em praça pública. Foi realizado dentro de uma concepção concretista que se afirmaria como
a linha estética dos anos seguintes, especialmente na construção de Brasília.
O
mural está localizado na Praça da República no bairro Poço Rico. Fui visitá-lo em meados de 2003 e me surpreendi com o bom
estado da obra, mas encontrei a explicação ao lado, em novas placas que relatam a restauração havida recentemente. Foram colocadas
pelo prefeito Tarcísio Delgado, um político de minha estima e admiração, com quem tive o prazer de conviver no período em
que trabalhei como repórter político na Sucursal de Brasília do jornal Estado de Minas, entre 1989 e 1999.
Uma
das placas atesta a autoria do arquiteto Arthur Arcuri no projeto do monumento e a de Di Cavalcanti na realização do painel, frisando ter partido de Oscar Niemeyer a indicação do artista. Em seguida, a grande
novidade em matéria de preservação patrimonial: “A praça – diz a placa da Prefeitura de Juiz de Fora - foi adotada
pela empresa Curinga dos Pneus e a restauração do mosaico executada pela empresa Espaço Tempo Arquitetura e Restauro. A empresa
Vidrotil doou as pastilhas de vidro, a ADPI- Associação das Damas Protetoras da Infância doou as pastilhas de porcelana azuis
e o condomínio de um prédio em Belo Horizonte as brancas e a Hoeschst os consolidantes”.
No
primeiro momento, fiquei encantado com essa iniciativa de uma empresa, a Curinga dos Pneus, que tem sede em Brasília, responsabilizar-se
pela preservação de uma obra dessa envergadura e de toda a praça onde ela se encontra.
Fui checar a informação e acabei descobrindo que três ou quatro meses depois de assumir o compromisso com a Prefeitura
de Juiz de Fora, a empresa roeu a corda, avisando que não queria mais assumir o encargo. Uma lástima total.
Ficou
faltando uma peça nessa história, que também só vim a descobrir posteriormente. É que o monumento estava completamente mutilado
nos últimos anos e sua recuperação decorreu de campanha movida por um jornalista combativo de Juiz de Fora, Jorge Sanglard,
que já fizera campanha anteriormente, nas páginas do jornal Tribuna de Minas,
pela restauração do Museu Mariano Procópio, acabando por conseguir seu propósito. Foi ele quem chamou atenção do povo e das
autoridades da cidade para a importância do painel de Di Cavalcanti no Marco do Centenário e também da obra em azulejo de
Portinari. De sua ação decorreram as providências municipais de tombamento das duas obras, seguidas por decisões semelhantes
da parte do IPHAN, Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
A
restauração do painel de Di Cavalcanti mobilizou e envolveu toda a cidade de Juiz de Fora na procura de pastilhas em tons
correspondentes aos que foram escolhidos originalmente pelo artista. A maior parte delas foi conseguida no estoque de pastilhas
antigas da empresa Vidrotil, mas outras decorreram de contribuições espontâneas.
Com
a restauração e a recuperação do vigor cromático da obra de Di Cavalcanti, alguns críticos, artistas e jornalistas repararam
melhor no mosaico e começaram a perceber uma plataforma de similaridade espantosa com duas outras obras modernistas realizadas
pelo escultor Bruno Giorgi em Brasília.
Primeiramente,
a coordenadora da Comissão de Patrimônio da Universidade de São Paulo, Maria Cecília França Lourenço, estudou o mosaico no livro “Operários da Modernidade”, apontando os percursos estéticos
do artista. Descreveu o mural de Di Cavalcanti como “uma obra que inaugura nova fase na sua carreira, em que ele trabalha
com formas ziguezagueantes e angulosas”.
Nos
desenhos “angulosos” o artista elaborou figuras representativas das três raças formadoras da gente brasileira
com braços levantados que estabelecem paralelos com os braços também angulosos da escultura GUERREIROS, realizada por Bruno
Giorgi para a Praça dos Três Poderes em Brasília, quase dez anos depois.
Também
existe um segundo paralelo entre a voluta desenhada por Di no painel do Centenário e a escultura Meteoro que Bruno Giorgi
realizou para o lago circundante ao Itamaraty, em Brasília, ainda depois que a primeira.
De
resto, vale observar que tanto Di quanto Bruno Giorgi eram freqüentadores assíduos do escritório de Niemeyer no Rio de Janeiro,
onde, além de obter encomendas para seus projetos, trocavam idéias, rabiscavam esboços, e discutiam rumos para a arte moderna
brasileira.
Pode
ser devaneio plástico, mas a impressão à primeira vista é que há tudo a ver entre o mural de Di e as duas obras de Bruno Giorgi.
Fica a cargo do leitor fazer uma apreciação atenta das obras e tirar suas conclusões.
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