Como todo artista
do mosaico sabe, a arte das tesselas está entranhada na alma dos italianos. O Império Romano foi o solo fértil onde o mosaico
vicejou. Júlio César chegava ao requinte de levar artesãos em suas expedições para que fizessem o piso de sua tenda. Fica
fácil compreender porque os italianos de hoje dão tanta importância ao mosaico, repetindo a difusão da arte, empreendida por
seus antepassados.
Nesse mapeamento
sobre a presença da arte no Brasil, os artistas italianos ou de ascendência na Península são casos recorrentes, destacando-se
entre muitos, os nomes de Mucci, Nardi, Cerri, Formenti, Tanzini, Faro, Carelli, Abramo e outros. Quase todos destacaram-se
em múltiplas vertentes das artes plásticas, como é o caso também de Bassano Vaccarini, cuja atividade artística foi tão pródiga
que marcou para sempre a gigantesca e rica Ribeirão Preto e a vizinha e pacata Altinópolis, onde veio a falecer
em 2002.
Bassano Vacarini
nasceu na pequena San Colombano al Lambro, em agosto de 1914, quando começava a I Grande Guerra. A cidade não passa de uma
pequena comuna italiana na região da Lombardia, província de Milão. No último censo, a população da vila não chegava a 8 mil
habitantes. Na progressista Milão, Vacarini freqüentou o curso do Liceu Artístico em 1929, passando à Academia de Brera em
1932 e à Escola de Artes Aplicadas de Monza a partir de 1934. Em 1943, êi-lo em Genebra, fazendo especialização em escultura.
A vinda para o
Brasil foi um acidente de percurso. À frente de um grupo de artistas italianos que desejavam expor em São Paulo,
desembarcou no Brasil em 1946, tomou gosto pela terra, arranjou um contrato como cenarista e por aqui ficou.
No teatro sua
genialidade abriu todas as portas. Foi cenógrafo, figurinista e diretor técnico do Teatro Brasileiro de Comédia, da Companhia
de Teatro Bela Vista e da Companhia de Teatro Silveira Sampaio. Foi contratado em 1951 como professor da USP, permanecendo
no cargo por quatro anos. Foi um dos períodos mais férteis de sua carreira, tendo produzido centenas de obras plásticas, entre
quadros, esculturas, aquarelas, gravuras, etc... Seus companheiros da época eram Bruno Giorgi, Bonadei, Lothar Caroux, Frans
Krajcberg, entre muitos outros.
Convidado a trabalhar em Ribeirão
Preto, mudou-se para a cidade de mala e cuia, vindo a fundar um ano depois a Escola de Artes Plásticas da
Universidade Federal. Sempre inquieto, cobriu a cidade de esculturas e promoveu as artes plásticas de tal forma que seu nome
é estampado ainda hoje, tantos anos após sua morte, em diversos prédios, hotéis, casas de cultura, teatros e casas de espetáculos.
Além de uma cidade economicamente próspera, Ribeirão Preto é famosa pelo
chopp servido em seus bares, especialmente o Pinguïm, do qual se diz que serve o melhor chopp do pais. É um espaço sempre
cheio a qualquer hora do dia ou da noite. Se alguém de fora citar o nome de Bassano Vaccarini em qualquer mesa,
a conversa vai tomar um rumo que irá pela madrugada a dentro. Todos ali terão boas histórias e boas lembranças sobre o artista,
que por muitos anos impregnou a cidade com a marca de seu talento, sua simpatia e capacidade de fazer amigos.
Na verdade, Vaccarini
só produziu um mosaico em toda sua carreira no Brasil. Ocorre que este mosaico não é um mosaico como qualquer outro. A obra
não constitui um mural chapado, plano, como todos os que se conhece. A genialidade do artista não permitiria a mesmice. Convidado
a decorar uma das alas externas do mercado municipal de Ribeirão Preto, Bassano Vaccarini construiu diversas peças de geometria
variada – cubos, cones e poliedros distintos – cobrindo-os com pastilhas diferentes, exibindo uma volumetria rica
de cores e movimento.
Sinceramente,
fiquei completamente tomado de emoção quando vi a peça pela primeira vez, impactado pela solução ao mesmo tempo feliz e insólita,
que não deixa ninguém indiferente. Absolutamente primorosa, verdadeira obra-prima, no centro de Ribeirão Preto. Chamo a atenção
para essa questão da espacialidade porque ela é pouquíssimo explorada em nosso país.
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A
questão da espacialidade na arte do mosaico ainda está aberta para a aventura criativa no Brasil. Vale lembrar que um dos
maiores nomes do mosaico brasileiro no exterior, Marcelo Melo, ora residindo em Amsterdam, ganhou um prêmio nos Estados Unidos,
durante um encontro internacional de mosaico, em função de uma peça originalíssima que criou de um mosaico que se apóia em
si próprio, desprezando qualquer suporte. Marcelo fez de seu mosaico uma espécie de "ovo de Colombo", alterando sua forma
no espaço para que se sustentasse de pé. Uma descoberta aparentemente simples, mas de inequívoca criatividade.
Também é importante mencionar que uma das artistas
de maior projeção internacional nas últimas décadas, Niki de Saint Phale, lastreou
boa parte de sua obra em bonecos revestidos por mosaicos policrômicos.
O
mural de Bassano Vaccarini passou há pouco tempo por uma limpeza geral e uma melhoria de sua visibilidade com a retirada de
um grade que prejudicava sua contemplação à frente do Mercado Municipal. A obra agora fica exposta e aberta ao toque das pessoas.
A prefeitura de Ribeirão Preto também instalou luzes que batem nas pastilhas e respingam na rua, fazendo a peça ganhar novos
contornos. Como se sabe, Ribeirão Preto é reconhecida como a cidade que abriga o melhor chopp do país. Também é uma das cidades onde se encontra o maior numero de obra de arte em área pública, graças a Bassano
Vaccarini que defendia a ocupação de praças e logradouros públicos pelas artes plásticas.
h.gougon, julho 2009
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