Quando faleceu em 1962, vitimado pelo veneno das
tintas que empregava em suas pinturas, Cândido Portinari tinha 58 anos de idade e deixava para a posteridade 4700 obras plásticas,
das quais apenas três transferidas para a linguagem das tesselas, vindo a constituir obras em mosaico, todas com alta visibilidade
MODELO REPETE-SE AO LONGO DO PRÉDIO |
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A
primeira delas é, sem dúvida, a mais singela. Chama-se “cavalos”, mas é representada por um único desenho do animal,
reproduzido em dezenas de pequenos painéis em pastilhas, mostrando o cavalo ora
para um lado ora para o outro. As peças foram aplicadas na fachada frontal do Edificio Clube de Juiz de Fora, na esquina da
Rua Halfed com a Avenida Barão do Rio Branco, no centro da cidade, emprestando um colorido diferente ao prédio. A execução
do painel coube a dois especialistas na matéria: Paulo Fonseca (que também executou outras obras em mosaico em prédios residenciais
de Copacabana, no Rio) e José Moraes, que se tornou um artista muito apreciado e foi também especialista em mosaicos, tendo
efetuado painéis em pastilhas num prédio da Rua Almirante Tamandaré, no Flamengo
(Rio), e em Uberlândia, onde concebeu e executou um vistoso painel na entrada do Uberlândia Clube e ministrou aulas na Escola
de Artes da progressista cidade mineira. No pavimento térreo do Edifício Clube de Juiz de Fora, Portinari projetou uma obra
em azulejo, colocada ao nível da calçada. Chama-se "As Quatro Estações".
PAINEL ABSTRATO, OBRA RARA EM PORTINARI |
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As duas outras obras de Portinari em mosaico estão impregnadas por histórias pitorescas. A primeira delas refere-se
a um imenso mural abstrato no interior da Galeria Califórnia, no centro de São Paulo. O mestre de Brodóski demorou para aprontar
o projeto, mas quando foi cobrado a ultimar a peça porque a construção civil já chegava ao final, ele simplesmente fez alguns
rabiscos e entregou a concepção ao arquiteto. A execução foi providenciada e a obra rapidamente executada, chocando alguns
observadores pela simplicidade plástica do projeto, que contrastava com a maioria das obras do artista.
O
crítico de arte Mário Pedrosa chegou a ironizar o projeto em jornais do Rio de Janeiro, indagando se Portinari não estaria
pretendendo fazer uma arte à maneira de Mondrian, o pintor holandês que, uma vez radicado nos Estados Unidos, ganhou notoriedade
pela exploração de um caminho visual marcado por linhas retas entrecortadas.
Por
último, a terceira obra em mosaico que Portinari concluiu em vida foi o painel “Bandeirantes”, aplicado em uma
parede interna de um hotel no centro de São Paulo, o Hotel Comodoro. Na época de sua inauguração, em 1957, o hotel era um
dos mais luxuosos de seu tempo. Após décadas, a degradação da área urbana ao seu redor relativizou sua proeminência e o estabelecimento
chegou aos dias de hoje necessitando novos investimentos. O proprietário então decidiu promover um leilão para a venda do painel.
Quem fizesse o maior lance ficaria com o encargo da retirada da obra, mas ninguém fez qualquer oferta acima do lance mínimo,
provavelmente por temer as dificuldades inerentes à retirada de um painel em pastilhas, que é uma empreitada custosa, demorada
e de risco.
Nessa
altura do problema, um marchand do Rio de Janeiro entrou na história. Procurou o dono do Hotel e ofereceu-se para retirar
o painel, assumindo os riscos, desde que também pudesse proceder à venda da obra. A retirada do painel ocorreu por meios pouco
ortodoxos e acabou chegando a bom termo porque a empreitada foi confiada ao Ateliê Sarasá de S. Bernardo do Campo, pertencente
a uma família de ascendência hispânica, de reconhecida competência. Entre as inúmeras ações promovidas pelo Ateliê na área
de recuperação, restauro e execução, constam a limpeza e reforma de painéis no interior da Igreja da Sé e a construção de
uma obra póstuma de Manabu Mabe na Fortaleza de Santo Amaro, no Guarujá.
OBRA RESTAURADA E PENDURADA NA PAREDE |
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Bem,
com o painel Bandeirantes retirado e recuperado nas instalações da empresa Sarasá e recolocado numa plataforma móvel (com
rodinhas), a peça foi exibida no saguão de entrada da Bolsa de Mercadorias e Futuro de São Paulo. No período, o marchand procurou
diversos investidores e acabou conseguindo sensibilizar o banqueiro Olavo Setúbal, que arrematou a obra e a levou para o interior
do Centro Empresarial Itausa, colocando a obra na parede.
Essas
foram as três obras em mosaico que Portinari viu concretizadas em sua vida, mas isso não quer dizer que não tenha concebido
outros projetos especificos para realização com pastilhas. No levantamento realizado pelo projeto Portinari, outros desenhos
foram identificados, todos eles indicando que se destinariam a obras em mosaico. Muitos deles estavam desenhados com
lápis cera, que o mestre de Brodóski usava porque os médicos já o proibiam de lidar com as tintas que o envenenavam gradativamente
e que o levariam de vez em 1962, no auge de sua força criativa.
assinatura de portinari |
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Um
desses trabalhos (Jesus entre os Doutores do Templo) foi transformado em painel e doado à Capela da Pontífice Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) por João Cândido, filho de Portinari, ao final de 2008. A execução
da obra foi confiada à competente arquiteta Isabel Ruas Pereira Coelho (ateliê “Oficina dos Mosaicos”), que foi
buscar na Itália os esmaltes coloridos para sua realização, seguindo o desejo do próprio Portinari, por ocasião de concepção
da peça.
Os
outros dois trabalhos seriam destinados à Capela do Palácio da Alvorada por ocasião da construção de Brasília. O artista desejava
que o mosaico fosse realizado com pastilhas italianas vindas de Ravena, mas em Brasília os construtores (leia-se Israel Pinheiro,
primeiro presidente da Novacap e engenheiro-chefe da construção da cidade) acharam que isso iria atrasar a obra e pediram
que ele fizesse algo mais simples aqui mesmo no Brasil. Portinari aborreceu-se e disse que não mais iria participar da construção
da nova Capital.
Obra retrata Cristo e os apóstolos. |
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Essa
história já foi contada em outro capítulo aqui neste site: NIEMEYER VETOU MOSAICOS DE PORTINARI. É uma história triste porque, depois de tantos anos, os dois projetos de Portinari, mostrando Cristo na Cruz, foram levados
ao conhecimento de Oscar Niemeyer, por ocasião da reforma do Palácio da Alvorada, entre 2006 e 2007 e por ele rejeitado. O
arquiteto disse que desconhecia esses trabalhos e que não via relação entre eles e a Capelinha do Alvorada.
De
qualquer forma, vale observar que não apenas essa mas qualquer outra obra de Portinari pode ser refeita como painel em
pastilhas. Evidente que o direito de tomar essa decisão cabe inteiramente ao filho único do artista, o professor
João Cândido, uma figura excepcional, professor da PUC, dotado de grande carisma e devoção ao resgate da obra do pai.
Há
poucos dias, fiquei sabendo em primeira mão de seu desejo de transformar em mural de pastilhas um trabalho gigantesco realizado
por Portinari, que se encontra hoje num edifício-monumento de São Paulo. Mas por ser ainda um segredo a quatro paredes, não
posso dizer qual é a obra e não vou fazê-lo nem que me enforquem.
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