Obra
em mosaico na Chevrolet de Porto Alegre tem mais de meio século
Desembarquei em Porto Alegre no início da noite, às vésperas das eleições, deparando com um
comício de encerramento da campanha do candidato Tarso Genro, que poucos dias depois estaria confirmado como governador do
Rio Grande do Sul.
Havia muito tumulto nas ruas, mas o táxi desvencilhou-se depressa, entrando pela Avenida Farrapos em marcha acelerada
quando vi de relance um painel em mosaicos de muitas cores e desenhos. Mal tive tempo de anotar o número do local (4 mil e
alguma coisa). Cheguei ao hotel com os olhos brilhando e a alma agitada.
No dia seguinte, pela manhã, retornei ao local. O painel fica nos altos de uma revendedora de automóveis Chevrolet
e encontra-se ali desde os anos 50, tendo passado por muitas reformas por dentro e por fora das instalações. A obra-mural,
no entanto, nunca foi restaurada e continua bastante íntegra ainda hoje, embora necessite de poucos reparos em pequenos pontos
bem localizados.
Dentro do prédio, os vendedores, corretores, chefes e demais funcionários da revendedora não têm idéia de quem foi
o autor do vasto mural que por mais de cinco décadas embelezou a fachada da empresa. Parece que a obra não é dali. Houve quem
me indagasse: “ Painel? Que painel?”
Mas não encontrei dificuldades entre esses mesmos funcionários para conversar a respeito, embora não tivessem muito
o que dizer sobre a autoria da obra. Como bons gaúchos, mostraram-se acolhedores e alguns deles me ajudaram a colocar um banco
em cima do outro para chegar à uma janela próxima à obra. De um ângulo acima
do painel localizei e fotografei a inscrição de autoria. Diz apenas: DEMA – SP.
Não é muita coisa, mas para mim já era alguma coisa. Acabei por encontrar referência à DEMA na dissertação de
Mestrado de Isabel Ruas Pereira Coelho, mosaicista consagrada de São Paulo, que é hoje a principal expressão na arte brasileira
das tesselas. Trata-se de uma personalidade de muito vigor intelectual e artístico, com um desprendimento muito forte, que
pode ser mensurado por seu gesto generoso de publicar na Web um resumo denso de sua obra de mestrado, cuja leitura recomendo
a todos meus amigos e companheiros de mosaico.
Segundo Isabel, DEMA era o nome da empresa criada pelo mosaicista Edmundo
Colombo para comercializar suas peças, a maioria delas contratadas em S. Paulo e algumas poucas fora dali, como é o caso
desta que fotografei em Porto Alegre.
Ainda segundo Isabel Ruas, a empresa DEMA “mantinha estreita relação com a empresa Jatobá”, produtora de
pastilhas. A pesquisadora admite inclusive que a DEMA teria sido “provavelmente a primeira empresa de montagem de mosaico
existente na cidade” de S. Paulo.
A Jatobá, por sua vez, continua produzindo peças decorativas, inclusive pastilhas de porcelana e vítreas, sendo uma
das maiores empresas do país neste segmento, ao lado de outra tão antiga quanto ela, a Vidrotil, fundada em 1947 e que, até
hoje, produz (e monta) obras em mosaico com suas pastilhas de produção artesanal e de alta qualidade.
Enfim, o painel da revendedora Chevrolet em Porto Alegre pode ser considerado um prêmio para
a cidade, pois se trata, sem sombra de dúvida, de uma peça de grande valor estético, histórico e artesanal. Mereceria de parte
da empresa um pequeno investimento na limpeza e no restauro de algumas poucas pastilhas faltantes. E também seria útil para
o público uma apresentação que chame atenção para o significado pioneiro do mosaico que decora uma fachada inteira da empresa
provavelmente desde seu nascimento, nos anos 50.
Parece ser um caso único na cidade. Afinal, o que toda empresa deseja é que seus funcionários “olhem para cima”.
Se o fizerem, verificarão com orgulho uma obra de arte de grande valor cultural não apenas para Porto Alegre, mas para o Estado
e para o país.
HGougon, outubro 2010
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