Camocin é um vilarejo
a 362 quilômetros a oeste de Fortaleza. Ocupado originalmente por pescadores, possui praias exuberantes que atraíram a atenção de visitantes estrangeiros nos últimos anos. Alguns investidores já perceberam
o potencial da região e vem construindo hotéis e resorts que estão transformando o lugar num polo de turismo, provocando mudanças
vertiginosas no ordenamento social característico da região.
Pelo menos uma coisa
continua no lugar: É o painel musivo “Os pescadores”, que o jovem artista Luiz Ventura realizou em 1956 para o
Camocin Clube. A obra permanece íntegra e bem preservada, mas o Clube fechou as portas para repensar a atividade e o uso do
espaço em forma mais lucrativa, provavelmente aderindo à nova onda turística.
Painel em Camocin: tudo a ver |
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Luiz Ventura também
continua o mesmo, fértil e produtivo, do alto de seus 74 anos, a maior parte dos quais dedicada às artes plásticas, com uma
trajetória de vida invejável sob todos aspectos. Pintor, desenhista, gravador, cenógrafo, muralista, ilustrador, decorador
e diretor de arte, o artista nasceu em São Paulo em 1930 e antes dos 20 começou a rodar o mundo. Passou dois anos em Paris
(de 49 a 51), três na China (de 63 a 66), e quatro em Santiago do Chile (de 66 a 70). Estudioso inveterado, foi bolsista do
governo francês, tendo freqüentado a Académie de La Grande Chaumière. Na China, aprendeu técnicas orientais de gravura em
madeira, repassando este conhecimento em seguida aos alunos de arte da Universidade Católica de Santiago do Chile, da qual
foi professor festejado.
Quando veio da França
em 51, trabalhou, sucessivamente, como auxiliar de Di Cavalcanti, Portinari e
Clóvis Graciano na realização de painéis e murais, segundo o gosto da época. Trabalhava com o primeiro quando este concebeu
e realizou o famoso painel musivo sobre a Imprensa para a sede do jornal “O Estado de S. Paulo”, na antiga sede
da Rua Major Quedinho, hoje Hotel Jaraguá Inn.
Em 1980,
depois de sua temporada na China e no Chile, encantou-se com a Pedra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, e ali ficou, fundando
um Centro de Arte. Inquieto, deixou a região em 1993, para ministrar oficina de técnica do mosaico em Santa Maria da Vitória,
na Bahia.
Veja um pequeno vídeo que fiz em Lisboa quando, muito emocionado, me deparei com o painel surpreendente de Luiz Ventura
na Estação Restauradores, em Lisboa. Tecle aqui sobre este texto: https://www.youtube.com/watch?v=CTiwJ5vxr5Y
Abaixo, obra de David Almeida, que veio para S. Paulo, enquanto o
painel de Ventura era instalado em Lisboa
Ventura foi para Lisboa, David de Almeida para SP |
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Do convívio com as
terras baianas, trouxe a idéia de um mural colossal em 1994, realizado em azulejaria, sobre a “Chegança” dos portugueses
às terras brasileiras. A obra foi levada para o Metrô de Lisboa e colocada na Estação dos Restauradores, uma das maiores da
rede metroviária da capital portuguesa.
A ocupação do espaço
lisboeta decorreu de um programa de troca artística, que deveria ser incrementado em benefício da difusão do conhecimento
do universo das artes visuais. Enquanto a obra de Ventura ia para Lisboa, dali vinha para o Brasil duas obras do português
David de Almeida, denominadas “As vias da água” e “As vias do Céu”, destinadas à Estação Conceição,
do Metrô de São Paulo, onde ainda se encontram.
Enquanto Ventura invadia o Metrô de Lisboa... |
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em sentido contrário vinham obras de David de Almeida para o Metrô Conceição, de S. Paulo |
A obra de Ventura ganhou
grande visibilidade e provocou a visita, em 8 de março de 2000, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, amigo de infância
do artista, que colocou no local uma placa alusiva aos 500 anos da viagem de Cabral ao Brasil. No discurso, o então chefe
do governo, referindo-se a Luiz Ventura, pilheriou: “Fomos amigos de infância, estudamos juntos, mas ele não me ensinou
a pintar”, passando a impressão de que gostaria, também, de ser artista como ele.
Enfim, é importante
ressaltar a grande travessia na carreira artística de Luiz Ventura que praticamente se inicia com um painel em mosaico numa
cidadezinha quase perdida do litoral cearense, para dar um salto quase quarenta anos depois representado por um mural em azulejo
num dos pontos mais movimentados da capital Portuguesa, polo secular de irradiação de azulejaria para todo o mundo.
Entre uma coisa e outra,
há um universo de realizações plásticas que explicam este salto nas palavras conceituadas de críticos como Radhá Abramo e
Aracy Amaral e Walmir Ayala, bem como sua inclusão no Dicionário de pintores brasileiros
e na Enciclopédia Cultural Itaú.
Sempre incansável em
suas buscas estéticas, Luiz Ventura retomou a arte das tesselas mais recentemente, trazendo para a modernidade um novo olhar
sobre o mosaico, pelo qual se interessara na juventude. Sem a pressão do modismo dos anos 50, quando realizou sua primeira
experiência em Camocin, o artista agora brinca com as tesselas criando rostos,
flores e outros desenhos ricos de expressão estética e cromática, traduzindo uma expressão de encantamento e liberdade.
ABAIXO, DIVERSAS OBRAS RECENTES DE LUIZ VENTURA, TODAS EM MOSAICO
obra recente de Luiz Ventura |
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obra recente de Luiz Ventura |
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obra recente de Luiz Ventura |
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obras recentes de Luiz Ventura em mosaico |
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