Mosaicos do mundo árabe (uma cabeça roubada, nos EUA)
A guerra do Iraque está longe de acabar.
Antes de ser iniciada, chamávamos atenção para o significado do Estandarte de Ur, o primeiro mosaico do mundo civilizado,
datado de cinco mil anos, realizado na antiga Suméria, atual Iraque, e exibido hoje no Museu Britânico, em Londres, para onde
foi levado durante o período vergonhoso de colonização.
É sempre importante repetir que há (ou havia?) no
Iraque dez mil sítios arqueológicos, a maioria aguardando o momento de ser devidamente avaliado, estudado e catalogado, antes
da invasão norte-americana.
Em todo mundo árabe é vasta a presença de
obras musivas do mundo antigo, sobretudo no Norte da África, a região do Maghreb, melhor conhecida e mais pesquisada. A falta
de precisão dos ataques norte-americanos não só levou à morte pessoas indefesas e inocentes, mas pôs em questão um patrimônio
histórico importantíssimo que não é apenas do povo árabe, mas de toda humanidade.
Um ataque errante em território sírio, durante a invasão do
Iraque, gerou protestos em Damasco. Pois justamente no norte da Síria, alvo infeliz da aviação dos EUA, encontra-se uma das
mais preciosas coleções de mosaicos dos períodos de ocupação romana, bizantina (do século I ao VI) e árabe (a partir do século
VII, de nossa era).
Um livro editado em Bruxelas, da pesquisadora
Janine Balty, intitulado "Mosaïques Antiques de Syrie" , de 1977, mostra à exaustão a riqueza das descobertas arqueológicas
na região do norte da Síria, que vai de Damasco a Antioquia. A Síria foi helenizada no século IV antes de Cristo, mas não
há testemunho musivo do período. O mosaico só vai aflorar, na arqueologia da região, em obras do período de dominação romana,
já no século I da nossa era. Muitos mosaicos hoje conhecidos começaram a ser desenterrados antes da Segunda Guerra e as escavações
prosseguiram na segunda metade do século passado em ruínas de conventos e igrejas que fizeram da Síria uma das regiões mais
ricas e mais interessantes para o estudo do mosaico antigo.
Reproduzo aqui, por ordem de antiguidade,
um tapete geométrico do século I, da nossa era, no edifício denominado "Triclinos" em Apamée, no norte da Síria. Segue-se
uma foto do mosaico "Toilette de Vênus", do século III, que se encontra no Museu de Souweida, proveniente da região de Shahba,
onde ainda permanecem, "in situ", centenas de obras de igual importância. O tema do triunfo da Vênus marinha é de certa forma
muito comum nas comunidades romanas do norte da África, mas é uma criação rara nas províncias orientais (como a Síria), o
que torna a obra ainda mais importante pela singularidade na série iconográfica da região.
Embora receoso de fazer esta mensagem ficar muito
pesada (em Kbites), envio também foto de uma obra parietal (8,36 m x 4,36m) do mesmo edifício Triclinos, em Apamée, norte
da Síria. O nome do mosaico é "amazonas caçadoras", do século V. Uma parte da obra está mutilada, exatamente a cabeça
de uma das amazonas. Leia o que diz a arqueóloga Janine Balty a respeito da subtração da mesma:
(...)"roubada do sítio (arqueológico) no período do inverno que se seguiu à descoberta
do mosaico, ela (a cabeça) reapareceu alguns anos mais tarde no mercado de antiguidades americano e foi comprado, como tendo
vindo de Apamée (na Síria) pelo museu de Newark, de Nova Jersey". A autora prossegue a nota informando que, por sorte, uma
publicação sobre a peça veio a público em 1968, demonstrando a origem da obra, fotografada de forma integral, conforme saiu
das escavações, o que permitiu negociar o retorno da cabeça roubada da amazona caçadora, "depois de muitas tratativas".
Envio, por último, a capa do livro,
que contém, justamente, a foto da cabeça roubada da amazona caçadora uma peça valiosíssima, surrupiada de um sítio arqueológico
da Síria nos primeiros anos da década de 60 e reencontrada, posteriormente, num museu norte-americano, que só o devolveu depois
que os arqueólogos europeus, encarregados de estudar a área, documentaram a origem da rapina.