|
|
Um artigo de Cora Rónai sobre as pedras portuguesas no Rio de Janeiro
Transcrevo abaixo um texto antológico sobre a questão das pedras portuguesas no Rio de Janeiro redigido
pela brilhante jornalista Cora Rónai, nas páginas de O Globo de 14 de maio de 2009. Trata-se de um texto com argumentos definitivos
sobre a importância do calçamento em mosaico e da necessidade de sua preservação. De tão importante, tirei uma cópia
e a entreguei em mãos ao arquiteto Alfredo Gastal, correto e competente diretor do Instituto de Patrimônio Histórico
e Artístico, em Brasília, DF.
(HGougon, 18 de maio de 2009)
CALÇADA EM PEDRA PORTUGUESA NA CINELANDIA |
|
Volta e meia, as nossas calçadas de pedras portuguesas ficam sob fogo
cruzado. 0 argumento é sempre o mesmo: o perigo que a falta de manutenção representa para os transeuntes. Mas, se o
problema é a manutenção, por que tirar as pedras? 0 que leva alguém a supor que uma cidade incapaz de
manter um calçamento de pedras portuguesas será capaz de manter um calçamento de qualquer outra coisa?
Já vimos este filme durante o Rio-Cidade, quando almas iluminadas
tiraram as pedrinhas da Avenida Copacabana, substituindo-as por materiais supostamente mais resistentes. Hoje,
passados 15 anos, sofremos com as consequências: não há nada mais feio, pobre ou antigo do que aquele cimento. Será
que é isso que queremos para a cidade toda?!
Não sei se vocês se lembram, mas, na época, enquanto desqualificava
as pedrinhas na Zona Sul, a prefeitura construía, na Ilha do Governador, mais de 15 quilômetros
de calçadas... em pedra portuguesa! Coerência, para que vos quero? O pior é que estou convencida de que as pedras
removidas em Copacabana foram revendidas, a peso de ouro, para a obra da Ilha; mas isso são outros 500. Ou 500
mil. O fato é que, ao contrário do que gostam de pregar seus detratores, os mosaicos são uma excelente
forma de calçamento, que vêm provando seu valor há milhares de anos. Variações das nossas calçadas usadas na Mesopotâmia,
no Egito e na antiguidade greco-romana sobreviveram a toda espécie de desastre e podem ser vistas até hoje. É verdade
que, no máximo, enfrentaram terremotos e erupções de vulcões, e não administrações do Cesar Maia; mas,
ainda assim...
Duvido que outras formas de calçamento se conservem tão bem
através dos séculos. Para ter idéia de como se comportam atualmente, basta ver as ruas lindas e impecáveis de
Lisboa, onde é quase impossível, se não impossível de todo, ver pedra fora do lugar.
O diretor-adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
UFRJ, Cristóvão Duarte, também pensa assim. Em artigo publicado no site do GLOBO no último dia 28, ele aponta, entre
as vantagens dos mosaicos de pedras portuguesas, a sua imbatível flexibilidade, que permite acompanhar os menores declives
do terreno e todas as formas geométricas encontradas pelo caminho; a economia do sistema, que reaproveita sempre
o mesmo material, e dispensa o uso de cimento (basta que as pedras sejam assentadas bem próximas umas às outras, e
não de qualquer maneira, como se faz aqui); a praticidade do assentamento, que pode ser aberto para obras
subterrâneas e fechado em seguida com um mínimo de barulho e transtorno; e a sua capacidade drenante.
Esse é um ponto particularmente interessante. As pedras são (ou deveriam
ser) assentadas sobre uma camada de areia que, por sua vez, recobre um solo compactado e devidamente preparado para
drenar as águas superficiais. Ou seja: choveu, a calçada se enxuga rápido e sozinha. Para isso, porém, as pedrinhas
devem ser instaladas como manda a boa técnica, sem uso de cimento ou aderentes. A única "desvantagem" das pedras
portuguesas em relação aos outros tipos de calçamento é o custo. Elas são muito mais baratas e, por conseguinte, muito
menos lucrativas para quem faz as obras. Nós sabemos o que significa o custo Brasil, mas, sinceramente, já estava na
hora de isso mudar! Muito melhor e mais barato do que desfazer todas as calçadas e enfear o Rio
era criar um curso permanente de calceteiros, que formasse mão de obra especializada no assentamento de pedrinhas.
Fazendo a coisa certa, em breve poderíamos até exportar know-how, já que, por acaso, temos as calçadas mais
famosas do mundo. No mais, é como diz o professor
Cristóvão:
"Uma cidade precisa ser construída e reconstruída todos os dias, pedrinha
por pedrinha, tal como os mestres calceteiros nos ensinaram ao longo da História das cidades. A força de cada pedrinha
decorre da força do sistema como um todo, gerado pelo fato de todas as pedrinhas compartilharem, solidárias,
o mesmo projeto de cidade."
|