No início
da década de 20 do século passado, o Cardeal Sebastião Leme passou por uma cirurgia na Suíça e, uma vez recuperado, visitou
o Convento de Lisieux, na França, e ali propôs à Madre Superiora a intenção de mandar construir no Rio de Janeiro uma igreja
em prova de agradecimento por sua cura. Sem conhecer a cidade, a Madre viu o
mapa que lhe apresentou o Cardeal e colocou o indicador sobre um ponto qualquer, selando o destino de construção da Igreja
dedicada à Santa Terezinha do Menino Jesus de Lisieux, conhecida hoje pelos cariocas simplesmente como Igreja de Santa Terezinha
do Túnel, por ter sido erguida no início do túnel que une Botafogo ao Leme e à Copacabana, na Avenida Lauro Sodré.
As obras
iniciaram-se em 1931 e finalizaram dez anos depois. Está entre as igrejas mais conhecidas do Rio (juntamente com a Candelária,
a igrejinha do Outeiro da Glória, a Igreja da Penha e a dos Capuchinhos no morro de Santo Antônio, no Centro da cidade).
O principal
artista envolvido com a obra foi Carlos Oswald, um dos nomes mais importantes das artes plásticas brasileiras no século XX.
E, infelizmente, dos menos conhecidos.
Gostaria
de me referir aqui à sua obra portentosa para a abside da Igreja de Santa Terezinha, um dos mosaicos mais ricos, técnica e
esteticamente, na cidade do Rio de Janeiro. Mas é impossível mencionar seu nome sem falar de tanta coisa importante que envolve
sua vida pessoal, familiar, artística e sua enorme contribuição para a formação da alma artística brasileira.
Carlos Oswald
era filho do grande compositor brasileiro Henrique Oswald, que fora para a Itália aos 16 anos estudar piano e acabou se tornando
um dos maiores músicos de sua época, contando com apoio do Imperador Pedro II, que de passagem pela Itália, teve oportunidade
de conhecê-lo e agraciá-lo com uma bolsa com os recursos de seus proventos pessoais.
O primeiro
filho, Carlos, nasceu em Florença no ano de 1882 . Como era natural, tentou seguir os passos do pai na música, mas acabou
mudando de rumo. Graduou-se físico-matemático e em seguida abraçou a vocação das artes visuais, matriculando-se em 1902 na
Academia de Belas Artes de Florença. O pai jamais deixou que se afrouxassem os laços da família com o Brasil, tendo inclusive
registrado o filho como brasileiro no Vice Consulado do Império do Brasil em Florença.
Henrique
Oswald retornou à sua pátria em 1904 para assumir a direção do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. O filho continuou
sua carreira artística entre a Itália e a França, vindo a conhecer o Brasil em 1906 onde se fascinou com a exuberância da
paisagem. Subiu ao Corcovado, sem se dar conta de que pouco mais de duas décadas
seria o responsável pelas alterações no desenho final do Cristo Redentor, trocando a idéia inicial de um Cristo com um globo
na mão e uma cruz na outra por sua forma atual, de braços abertos sobre a Guanabara.
A partir
de 1913, toda a família, pais e irmãos, estavam fixados no Rio de Janeiro, e todos envolvidos de uma forma ou de outra com
as artes. Henrique Oswald assumiu uma cátedra de piano no Instituto Nacional de Música e o filho Carlos teve seu talento artístico
logo reconhecido, sendo convidado a instalar a Oficina de Gravura do Liceu de Artes e Ofícios, na Tijuca. Até então, a gravura,
em metal e madeira, era desconhecida entre os artistas brasileiros. A escola
veio a formar os primeiros nomes a empregar a técnica em nosso país. Foi Carlos Oswald quem executou as primeiras chapas de
impressão artística no Brasil. Essa fase, na historia da gravura brasileira, é chamada de fase “heróica” e vai
de 1914 a 1920, justo por ser o período da Primeira Grande Guerra.
O “heroísmo”
consistia em substituir ferramentas próprias para realização de gravura, já que a guerra interrrompera o fluxo de importação.
“Cresceu então a criatividade de Carlos Oswald e de seus alunos, que passaram a substituir os instrumentos importados
por outros fabricados por eles próprios”, salienta sua filha e biógrafa
(e também artista plástica consagrada), Maria Isabel Oswald, autora do livro “Carlos Oswald: pintor da luz e dos reflexos”,
da Casa Jorge Editorial.
A primeiras
impressões de gravura no Brasil vieram de improvisações de toda espécie. Buril dava lugar a pregos, o breu era moído e peneirado
para ser usado da graduação das águas-tintas. E assim por diante, de acordo com o que há de melhor na alma brasileira, o jeitinho.
Depois de
uma fase pródiga em arte profana, Carlos Oswald começou a receber encomendas para obras religiosas, como painéis e vitrais,
que o deixaram muito à vontade, já que desde cedo alimentava profundas convicções de religiosidade cultivadas na vida familiar.
Nos anos 30 foi chamado a decorar a nova Igreja de Santa Teresinha do Menino Jesus de Lisieux, no início do túnel e aí seu
talento explodiu em vitrais, afrescos, painéis e sobretudo no mosaico da abside, no qual vai dar o melhor de sua criatividade,
com uma liberdade inventiva invejável que permitiu interpretações profundas da simbologia religiosa.
É ele próprio
quem explica seu projeto num livro absolutamente desaparecido de todas as livrarias e sebos brasileiros. Denominado “A
Igreja de Santa Terezinha do Menino Jesus do Túnel Novo”, dele resta um único exemplar, de 1951, guardado na Secretaria
da igreja, do qual extraio as palavras de Carlos Oswald para o mosaico do templo:
“A primeira impressão que o espectador tem do conjunto do Altar-mor, é um acentuado
paralelismo entre a cruz do altar e a cuz de ouro do mosaico. Este paralelismo é intencional; é para mostrar, plasticamente,
que o Cristão, cujas virtudes heróicas elevam a santidade, outra coisa não é senão uma projeção, uma imitação e réplica do
Cristo”. E mais:
“O
mosaico é pois a Igreja triunfante. Santa Teresinha, em atitude bondosa e acolhedora, distribuindo graças, dentro da cruz
gloriosa de Cristo, nos ensina e mostra a glória a que chega o fiel imitador do Crucificado”.
Embora minha
emoção e objetivo nesse relato estejam direcionados para as obras musivas de importância neste país, é preciso deixar claro
que, de forma alguma, a carreira artística de Carlos Oswald encerra-se com a grandiosidade de sua contribuição para a Igreja
de Santa Teresinha do Túnel (embora seja, sem dúvida, um ponto alto desse percurso).
Ele continua
produzindo, expondo, colecionando prêmios e ministrando aulas. Em 43, mandou
vir de Petrópolis a prensa que pertencera a Henrique Bernadelli (que era uma cópia da que pertencera a Rembrandt). O núcleo
de gravuras da Tijuca cresceu, sempre aberto a obras novas de alunos e amigos. Em 46, iniciou um curso de gravura na Fundação
Getúlio Vargas, que abrigou, entre muitos alunos, Faiga Ostrower, Darel e Poty Lazarotto.
Em dezembro
de 1964, perdeu seu filho, que levava o nome do avô, Henrique Oswald , e que era, como ele, um talentoso artista plástico
e herdeiro mais vigoroso de sua trajetória. Cinco anos depois, faleceu sua mulher Lilita, com quem vivera 50 anos. Com tantos
revezes retirou-se para Petrópolis. Já atingido pela glaucoma que o cegara, faleceu ali em 1971. Uma perda enorme para o país,
para a Igreja e para a artes brasileiras.
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