Partiu
de Érico Veríssimo a constação de que o temperamento aguerrido dos gaúchos, moldado nos embates e pelejas ao longo da formação
histórica e política do Rio Grande do Sul, prejudicou o desenvolvimento das artes plásticas no Estado. Em texto de 1971, dizia
o grande romancista que “também se aceita, e se lamenta, a idéia de que por serem mui machos nunca olharam com bons
olhos para as atividades artísticas, por lhes parecerem estas demasiadamente femininas...”
Mas, já no parágrafo seguinte, Érico corrigiu a crítica: “Nestes últimos vinte anos,
entretanto, surgiram no Rio Grande do Sul alguns pintores de estatura não menos estadual, mas também nacional e internacional.
Restinga Seca nos deu Iberê Camargo, esse atormentado que pinta com a paixão, e que, numa permanente busca de novas formas
de expressão, recusa enquadrar-se em grupos ou escolas. Carlos Scliar - sério, estudioso, original - é um produto de Porto
Alegre que o convívio europeu aprimorou. Em 1948, Bagé, famosa por seus campeiros e caudilhos, nos mandou três artistas plásticos
então muito jovens: Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues e Danúbio Gonçalves, que aqui expuseram juntos seus primeiros trabalhos”.
Desses três “jovens” de Bagé, hoje na faixa avançada dos 80, só Glênio Bianchetti ainda não experimentou o mosaico,
embora não falte proposta neste sentido. Glauco Rodrigues, falecido em março de 2004, usou a linguagem em suas duas últimas
obras, um painel na Fiocruz e outro no Aeroporto de Salvador, já exibidas aqui neste site.
E Danúbio Gonçalves,
já entrado nos oitenta, pode orgulhar-se de diversas obras musivas espalhadas pelo Rio Grande do Sul. A mais vistosa
e conhecida dos gaúchos é, sem sombra de dúvida, o painel frontal da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, onde fica o túmulo
do Padre Réus, em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre.
Construído entre
1958 e 1968 nas imediações do cemitério particular dos jesuítas, a Igreja foi erguida com a contribuição de milhares de devotos
de toda parte. O painel de Danúbio, realizado em pastilhas vítreas, chama-se “Painel Apocalíptico” e tem 14 metros
de altura. A área musiva é de 185 metros quadrados,
provoca um impacto visual enorme, que se conjuga com o campanário de 45
metros de altura, como se fosse um dedo apontando para o céu.
Mas o artista
não ficou só nisso. Nas décadas de 50 e de 60, Danúbio empregou toda sua energia no muralismo, optando pelas tesselas vítreas
para decorar a Igreja de São Roque, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, e a Igreja de São Sebastião, em Porto Alegre.
A paixão pela
arte era tanta que não ficou apenas nas criações próprias, mas assumiu projetos de outro companheiro, o artista também gaúcho
Gastão Tesche, para quem executou, em 1969 o mural da Usina Hidroelétrica do Jacuí, no interior do Estado, com 84
metros quadrados. A parceria estendeu-se ainda à realização de um segundo mural para a Usina Hidroelétrica do Passo Real, com 81
metros quadrados, em 1977, e um terceiro, com 40
metros quadrados para a Usina Hidroelétrica de Itaúba, em 1983.
São obras que
engrandecem o Estado e elevam Danúbio Gonçalves como uma das principais expressões das artes plásticas do Rio Grande do Sul.
Sua trajetória revela uma precocidade notável. Aos 14 anos, conseguiu emprego no Rio de Janeiro como caricaturista e ilustrador
das revistas cariocas Cena Muda e Mirim. Em seguida, estudou com Cândido Portinari
(1943), fez gravura em metal com Carlos Oswald, e xilo com Axi Leskoschek. Sob orientação de Portinari, desenhou modelo vivo
ao lado de Iberê Camargo e Athos Bulcão. Em 1945, retornou a Bagé, onde, ao lado de Glênio Bianchetti e Glauco Rodrigues,
fundou o chamado Grupo de Bagé, que revolucionou a gravura no sul do país. Em 1950, foi para Paris, onde reencontrou Portinari,
Carlos Scliar e Iberê. Voltou ao Brasil no ano seguinte para criar em Porto Alegre o Clube Amigos da Gravura, ao lado
de Scliar e Vasco Prado, à imagem e semelhança do Grupo de Bagé.
Nos anos 70,
assumiu a carreira do magistério, no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tornando-se um professor
emérito, inquieto e investigativo. Ao festejar seus 70 anos de idade em 1995, já não era Erico Veríssimo, mas o filho Luís
Fernando quem o homenageava:
“O Danúbio
também é um voraz aproveitador de tudo em volta. Um experimentador que não renega nada, seja texturas, objeto, técnico ou
tema. Os meios não interessam, o importante é a arte final. Ou o meio é o que interessa, o efeito final é a soma das ousadias
artísticas. Tudo que está perto é brinquedo para a criança arteira, tudo que faz impressão é recurso para o artista”.
HGougon,
out.2009
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