De algum tempo a esta data, Dona Tomie Ohtake, a grande dama
nipo-brasileira das artes visuais, vem enriquecendo a arte do mosaico, produzindo obras murais. Já passou dos 90 anos de idade
e felizmente não dá mostras de que pretenda parar.
Tendo chegado ao Brasil em 1936, só foi começar seus estudos
de pintura em 1952, com o professor japonês Keisuke Sugano. Já no ano seguinte, ingressou no chamado grupo Seibi – formado
por artistas da colônia, tão iniciantes quanto ela: Flávio-Shiró, Kaminagai, Manabu Mabe, Tikashi Fukushima, entre outros.
Começou pintando paisagens, mas logo passou para o abstrato, queria pintar as emoções interiores. Os anos 60 seriam decisivos
para a maturação de sua trajetória artística. Nesta década, ela participou da Bienal de São Paulo e, a seguir, da Bienal de
Veneza. Mosaico era coisa pela qual alguns de seus companheiros da colônia japonesa manifestavam interesse, mas ela ainda
estava distanciada dessa opção, explorando mais a pintura e as gravuras em suas diversas modalidades.
Mesmo que o Brasil tenha sido gratificado por uma legião
de artistas ítalo-brasileiros que se envolveram com a linguagem dos mosaicos, é curioso notar que os artistas nipo-brasileiros
também tiveram uma presença expressiva na opção pela arte. Nomes conhecidos como Takaoka e Flávio Shiró chegaram a viajar
a Paris para receber aulas de mosaico do grande artista modernista Gino Severini, que foi, com toda certeza, a principal referência
mundial nessa área durante toda a primeira metade do século XX.
Manabu Mabe, que faleceu em 1997, deixou como sua última
obra exatamente um projeto para mosaico, realizado postumamente na Fortaleza de Santo Amaro no Guarujá. E é preciso lembrar
ainda o nome de outro artista expressivo de origem nipônica, Jorge Mori, que também foi para a Europa na primeira metade do
século passado para aprender arte do mosaico.
Agora, o caso de Tomie Ohtake impressiona porque ela
abraçou a linguagem das tesselas em idade avançada, vale dizer, como resultado de um longo amadurecimento plástico, o que
confere maior autenticidade à sua obra. É arte de caso pensado e não aventura juvenil.
Os anos 90 apontaram para a retomada do mosaico e ela
não ficou indiferente ao movimento O primeiro espaço encontrado para colocação de seus painéis em pastilhas foi o Metrô de
São Paulo, que enriqueceu ainda mais seu acervo riquíssimo de obras plásticas que ornam praticamente todas as estações. As
pastilhas escolhidas foram da empresa Vidrotil, de São Paulo.
Pois na Estação da Consolação, uma das mais vistosas
do centro de São Paulo, Tomie implantou ao longo das paredes do túnel metroviário nada menos que quatro gigantescos painéis,
cada um deles significando uma das estações climáticas, ou seja primavera, verão, outono e inverno. Formam um verdadeiro show
de luz e expressão na área subterrânea metroviária.
Após a obra do Metrô, realizou outro painel. também
com pastilhas vítreas para a Escola Maria Imaculada em São Paulo, também conhecida como Chapel School,
em 1992. No ano seguinte, foi convidada a projetar para Brasília um painel em pastilhas destinado a ornar a entrada do prédio
da Construtora Paulo Octávio, no centro da cidade. O empresário aproximou-se de Tomie por meio dos filhos da artista, os arquitetos
Ricardo e Ruy Ohtake, a quem encomendou projetos para algumas de suas obras mais vistosas na Capital da República.
Painel de Tomie Ohtake na Chapel School |
|
painel de Tomie em Brasilia |
|
obra está no andar térreo da empresa Paulo Octávio |
A colocação do painel, no entanto, não teve feliz execução.
Acredito que por causa do padrão climático de Brasília – seis meses de chuvas fortes e seis meses de seca brava –,
as tesselas vítreas não aderiram muito bem na argamassa do prédio e, pelo menos por algumas vezes, a obra teve quer ser refeita.
O último reparo mostrou-se definitivo e, quando nada, serviu como aprendizado para outras execuções desse porte na cidade.
É hoje uma das aquisições plásticas mais significativas da Capital da República, contribuindo para diversificar o visual brasiliense,
de resto agraciado desde a criação da cidade pelos velhos e bons nomes que vieram com Oscar Niemeyer durante a epopéia da
construção.
Em 1994, novamente a arte do mosaico inspirou a artista,
que realizou para o Instituto de Estudos Brasileiros da USP mais uma obra em pastilhas vítreas. Ocorre que o painel foi colocado
na sala do diretor, ficando inacessível ao público. De todas as obras da grande artista, essa é a mais desconhecida, permanecendo
como uma pérola escondida no interior da ostra, lamentavelmente. A meu ver é
contraditório até mesmo com o espírito aberto e democrático do ambiente universitário.
Tinha para mim que esta obra interrompia a série musiva
da artista nipo-brasileira, mas enganei-me completamente. Em 2003, fiquei sabendo, por intermédio da companheira mosaicista
Ângela Costa, artista qualificada de Uberlândia, que Tomie também realizou um belíssimo painel para a sede da empresa CTBC
naquela cidade do Triângulo Mineiro, em 1998.
Por gentileza dela, recebi um vídeo elaborado pela empresa que mostra a Primeira Dama das Artes Plásticas
colocando as tesselas na sede da Vidrotil, em S. Paulo, auxiliada por funcionários especializados.
Quando realizou a obra, Tomie já era octogenária e, por isso, impressiona vê-la agachada, curvada, debruçada sobre as tesselas,
envolvida com a execução do painel, algo impensável para muitos outros artistas jovens que apenas desenham cartões e confiam
a execução a terceiros. A obra ocupa um espaço de 95 metros
quadrados nas paredes de entrada no interior da empresa e foi montada no chão de um galpão em SP.
Painel de Tomie Ohtake na seda da CTBC, Uberlândia |
|
Pela importância do nome de Tomie no panorama artístico
internacional e por sua sintonia com o que há de mais avançado em matéria de artes visuais, o fato de ter escolhido a linguagem
das tesselas para apresentar suas obras plásticas em áreas de visibilidade pública ao longo de quase toda a década dos 90
engrandece e empresta um significado novo à arte.
Ainda em 2006, fui convidado a participar de uma cerimônia
no Palácio do Planalto, promovida anualmente, de premiação de artistas e personalidades diversas que contribuíram para a cultura
nacional em diversos campos. Ali encontrei Tomie Ohtake, ladeada pelos filhos Ruy e Ricardo. Ao chamar por seu nome, o locutor
oficial traçou um perfil sumário de sua vida e destacou nominalmente as obras que fez para o Metrô Consolação, o que demonstra
a grande visibilidade pública de suas obras em mosaico.
H.Gougon 2009
|